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Atentados nos EUA abrem nova página na história

Por Agencia Estado
Atualização:

Uma nova página na história: entre os militares, os políticos, os estrategistas, os ministros e os bebedores de cerveja nos cafés, o veredicto é peremptório: o mundo entra em novas e abomináveis paisagens. E essa época inédita da história não tem precedentes. Os esforços de busca na memória são em vão, não encontramos acontecimentos comparáveis. Alguns citam Pearl Harbor, em dezembro de 1941, quando os aviões japoneses massacraram esse porto das ilhas do Hawaí, jogando o Japão na guerra, ao lado de Hitler. A comparação não satisfaz. O Japão não atacou civis às cegas e, além disso, o ataque a Pearl Harbor foi executado e admitido por um Estado. Hoje, ao contrário, os aviões camicases não foram identificados (até agora) e nenhum Estado o reivindica. Outra diferença: Pearl Harbor não atacou o centro do poder americano, mas sua periferia (Havaí). Ao contrário, o que aconteceu hoje, pela manhã, em Nova York e em Washington, atingiu diretamente, de maneira bárbara, alvos que são ao mesmo tempo reservas do poder americano e o símbolo mas fascinante desse poder. Essa violência "simbólica" e, ao mesmo tempo, "real" é testemunhada pelas imagens que, há horas, dão a volta ao mundo: as torrentes de fumaça negra, o grande número de mortos nas torres destruídas, os materiais em chamas projetados como fogos de artifício, as pessoas saltando pelas janelas, o silêncio prodigioso em que, após os primeiros momentos, caiu Manhattan, consternada, atormentada pela angústia, atormentada pela dor. Imagens de tremores de terra, imagens de guerra total, imagens de ficção científica ou de pânico ("O inferno na torre" à décima potência). A enorme cidade, o farol do mundo, paralisada e, de repente, petrificada: sem ligações, sem metrô, com a eletricidade cortada, a TV muda. Os telefones celulares incomunicáveis. A mais bela paisagem urbana do universo, as duas torres fantásticas, orgulho dos Estados Unidos, suprimidas do espetáculo do mundo. E duas engrenagens do poder americano desestabilizadas: o dinheiro (o bairro dos grandes negócios do World Trade Center, bem perto da Wall Street) e a força militar (Pentágono). Mais uma vez, fica confirmado que, quanto mais aperfeiçoado um país, mais vulnerável ele é. Há muito tempo, sabe-se disso: eletricidade, transportes, aviões, máquinas eletrônicas etc., todos os órgãos da modernidade são atingíveis. E quando atingidos, é o sistema nervoso do país que fica fora de campo, o país inteiro, um pouco como se o corpo humano sofresse uma trombose, um infarto, uma crise na medula espinhal ou nas articulações. Desde então, a economia americana, já enfraquecida pela crise na Bolsa e da alta tecnologia, é submetida a uma prova pesada. As Bolsas caíram. O preço do petróleo deu um salto. Tudo isso já se sabia. Mas sua confirmação terá efeitos ferozes no comportamento dos Estados Unidos e de todos os países livres. Na verdade, se o ataque a Nova York foi feito com essa glória, esse brilho, essa ubiqüidade, foi por causa da virtude e da grandeza da democracia americana e de todas as democracias em geral. É mérito da democracia agir com transparência e liberdade: nos Estados Unidos, tudo é acessível, até os arredores da Casa Branca, até os aeroportos como o de Boston, que parece ter sido esvaziado de seus aviões pelos terroristas. Enquanto na Alemanha nazista ou na União Soviética, por exemplo, os cidadãos tinham todas as dificuldades para ir de uma cidade para outra - e várias áreas foram interditadas para sempre - uma democracia deixa todos circularem, etc. É possível prever que o início, com muito barulho, dessa guerra desconhecida, misteriosa, obscura vai provocar mudanças rudes na administração dos Estados Unidos - vamos assistir à vigilância implacável de todo o território e dos cidadãos. A liberdade será cada vez mais controlada pelas forças de segurança: vigilância das comunicações, controle dos telefones e da Internet, da imprensa, talvez, da opinião... Não há dúvida de que o ataque em Nova York vai levar George W. Bush a acelerar o programa (até agora muito contestado) de seu escudo antimísseis. É bom lembrar que esse escudo visa a abrigar os Estados Unidos dos ataques atômicos que poderiam ser feitos pelos "Estados criminosos" em posse da arma nuclear. A França se pergunta sobre as organizações desse "terror de terceiro tipo", desse "hiper-terror". Um dos fatores do pânico atual é a perfeição do crime. Os meios gigantescos postos em ação, a habilidade técnica dos que o conceberam e aplicaram, as reservas financeiras que supõe, a perfeição do "momento", tudo isso inquieta e deixa todos estupefatos: estamos diante de uma operação de guerra que somente alguns comandos, os mais treinados do mundo, poderiam conduzir bem. Os "campeões" em seu gênero, no gênero maldito. Além disso, ninguém consegue avançar. Há duas teses: uma delas diz que uma operação como essa só pode ter sido conduzida por um Estado (e não por um grupo de terroristas). Mas outros refutam essa idéia. Um país que fomentasse essa matança estaria se condenando a represálias mortais por parte dos Estados Unidos. Então? Organizações palestinas? Descartou-se a hipótese: os grupos palestinos não têm os meios necessários para uma ação como essa. E, politicamente, mesmo que os palestinos detestem os Estados Unidos, eles têm interesse em tratá-los com prudência para que pressionem os israelenses. Pensa-se, sobretudo, no terrorista biliardário Bin Laden, único apto, dizem, a conduzir com êxito uma operação tão sofisticada. Mas então voltamos ao início dessa análise. Na verdade, Bin Laden, o saudita islamita, reside no Afeganistão, país totalmente incontrolável e que encabeça mundialmente o islamismo mais enlouquecido. Finalmente, e sem querer pintar com as cores mais fétidas, podemos imaginar o pior: no mundo inteiro, existem estoques não só de bombas nucleares, mas também de armas bacteriológicas e químicas, algumas delas tão nocivas, que uma ação camicase com aviões infectados de micróbios poderiam devastar a metade do planeta. Foi o pai do presidente George W. Bush que, há dez anos, após a guerra do Golfo, se empertigou e anunciou em um tom profético que a guerra fria tinha acabado, que a história chegava ao fim, a história com seus horrores, suas infâmias, suas carnificinas, e que seria construída "a nova ordem mundial" (entenda-se uma segunda Pax Romana, sob a autoridade dos Estados Unidos). Caro Bush pai! Eis a nova ordem do mundo! O terror, o caos e a morte vieram se alojar no cérebro, na beleza e no coração da modernidade.

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