Atentados nos EUA fazem lembrar da Iugoslávia, diz Kostunica

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Por Agencia Estado
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A última sexta-feira marcou o primeiro aniversário da queda de Slobodan Milosevic da presidência da Iugoslávia e da retomada do processo democrático no país conduzido por um ex-professor de direito, Vojislav Kostunica. Apesar da revolução de cinco de outubro de 2000 e das enormes transformações das relações entre o país e a comunidade internacional desde então, o período de fragmentação nos Bálcãs pode não ter terminado ainda, já que Montenegro realiza um plebiscito no começo do próximo ano para decidir sua separação do que resta da Iugoslávia. Além disso, ninguém se arrisca a dizer qual grau de autonomia terá o Kosovo quando as forças estrangeiras se retirarem da região. Para muitos, caso essas independências ocorram, a Iugoslávia finalmente deixará de existir. O presidente Kostunica, um ano depois do fim da era Milosevic recebeu a Agência Estado para uma avaliação das transformações que ocorrem no país desde então. Eis as principais partes da entrevista: Agência Estado - O senhor se considera o autor de uma revolução na Iugoslávia? Kostunica - Sempre fui muito cauteloso com minhas expectativas sobre o que ocorreria. A comunidade internacional tentou de tudo para se livrar de Milosevic e de seu regime. Negociações e sanções fizeram parte das tentativas, mas finalmente a mudança veio de nossas próprias mãos e trouxemos a democracia de volta para a Iugoslávia. As pessoas sentem e respiram liberdade. Quais são os principais obstáculos agora para o país? Queremos reformas econômicas e legislativas. Ainda vivemos com uma constituição elaborada por Milosevic. Necessitamos fazer reformas. Mas, enquanto isso, devemos respeitar as leis com são. Sei que há muita pressa em aprovar leis e solucionar problemas por decretos, mas sou contra isso. Montenegro pretende realizar um plebiscito no próximo ano para decidir se irá se separar ou não de Belgrado. Como solucionar a questão para evitar mais uma fragmentação nos Bálcãs? Estamos numa posição que lembra o dilema que os pais da constituição nos Estados Unidos tiveram no final do século 18. Queremos uma união, mas apenas com duas entidades, sendo uma grande - a Sérvia - e outra menor, Montenegro. A solução será garantir os direitos dos estados e tornar a autoridade federal o mais eficiente possível. Como o senhor avalia o processo contra Milosevic no Tribunal de Haia? Eu era favorável a outra solução. Queria uma cooperação entre Belgrado e Haia e principalmente a possibilidade de Milosevic ser processado em nossas cortes. Muito se falou na época que Milosevic teria sido trocado por ajuda externa. Isso de fato ocorreu? Aqui na Sérvia dizemos que onde há fumaça, há fogo. Mas a verdade é que a ajuda externa recebida até hoje representa apenas metade dos volume dos prejuízos que os ataques da Otan geraram no país. Como o senhor analisa o comportamento de Milosevic no Tribunal de Haia, acusando-o de ser parcial? Há muita justiça seletiva. A maioria dos incriminados pelo tribunal eram de origem sérvia. Poucos líderes políticos e militares da Bósnia, Kosovo e Croácia que estiveram envolvidos nessa guerra sangrenta foram processados. Esse é o problema do tribunal de Haia e que pode dar margem para que Milosevic tenha essa reação. O senhor se define como um nacionalista? Não aceito que me coloquem como nacionalista. Sou algo além disso. Sou um democrata. Mas precisamos ter o sentimento de pertencer a uma nação. O problema é que Milosevic usou o nacionalismo apenas como mais um instrumento para manter o seu poder. Ele sequer era um nacionalista. Nem no sentido positivo nem negativo da palavra. Qual foi a reação na Iugoslávia sobre os atentados terroristas nos Estados Unidos? Depois dos atentados, tudo parece diferente. Pode ser desconfortável ouvir isso, mas a verdade é que essa foi a experiência que a região teve por muito tempo. O que ocorreu em Nova York e Washington fez muita gente se lembra na Iugoslávia dos eventos tristes aqui.

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