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Ativista sírio no Brasil acusa Assad de estimular conflitos sectários

Ele também assegura que partidos islâmicos não terão peso no panorama político após eventual saída do ditador

Por Christina Stephano de Queiroz
Atualização:

SÃO PAULO - Um ativista sírio que vive no Brasil - e que pediu para não ser identificado por medo de represálias contra a família, que segue no país - assegura que não há conflitos sectários na Síria e que o governo de Bashar al-Assad estimula as desavenças, como forma de legitimar sua autoridade.

 

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"O exército diz a comunidades de cristãos que os muçulmanos planejam um ataque e vice-versa. Dessa forma, fomenta o medo e a raiva e justifica sua permanência no poder", acredita. Segundo ele, o governo sempre privilegiou certas comunidades, principalmente a dos alauitas, e o medo real dessas comunidades não é necessariamente a violência de outros grupos e sim perder certos privilégios.

 

Ele assegura que, quando o governo entrega corpos de opositores às famílias, as obriga a assinar um termo por meio do qual atestam que os mortos eram terroristas ou que foram assassinados por milícias terroristas. "O exército jamais vai se voltar contra Assad, já que 80% da estrutura militar de auto escalão é alauita", estima.

 

Oposição laica e democrática

 

Ele diz, ainda, que o movimento opositor sírio é laico e democrático, de forma que o cenário de Egito e Tunísia, que elegeram partidos islâmicos após a queda de ditadores, não deve se repetir. "Os muçulmanos não têm peso político na Síria", assegura. De acordo com ele, há duas coalizões principais na oposição. A primeira é chamada de "Coalização de Damasco" e não tem um projeto político consolidado.

 

A "Coalizão de Istambul", por sua vez, possui planos consolidados para o país após a saída de Assad, de acordo com o ativista. "Hoje, menos de 10% da população interna apoia o governo atual", calcula. Ele ainda assegura que o governo sírio sempre se "autoproclamou porta-voz das causas árabes", para conquistar a sociedade, que é patriota e arabista. "Acreditávamos que o discurso em favor dos árabes evitaria revoluções", avalia.

 

Mas o presidente da Organização Nacional pelos Direitos Humanos na Síria (NOHR), Ammar Qurabi, diz que é impossível saber qual coalizão política assumirá o poder quando Assad sair. "Além dos islâmicos, dos liberais e dos socialistas há forças da juventude nacional que suportam essa revolução e incentivam protestos diários em todo o país", explica.

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Revolta por 'dignidade'

 

De acordo com o ativista, o estopim das revoltas na Síria ocorreu quando uma mulher foi presa depois de uma conversa ao telefone com uma amiga. A mulher, moradora da cidade de Deraa, ligou para outra para celebrar a caída do ex-presidente do Egito, Hosni Mubarak, em fevereiro. Ela teria dito "Tomara que sejamos os próximos".

 

Ele ainda relata que crianças e adolescentes que, também em Deraa, fizeram pichações em muros da cidade pedindo a saída de Assad foram torturadas. "No dia seguinte, os pais foram à delegacia denunciar os abusos e os policiais disseram às famílias que esquecessem os filhos e fizessem outros", afirmou. 

 

Segundo ele, a tortura das crianças motivou as primeiras manifestações em Deraa, que pediam a saída dos governantes da cidade. "Os protestos fugiram do controle e se espalharam pelo país. Esta não é uma revolução da fome e sim uma revolução que pede dignidade humana", diz.

 

Situação crítica

 

Qurabi, da NOHR, confirma o panorama caótico descrito pelo jornalista. Ele saiu da Síria há cerca de seis meses para participar de um encontro regional sobre direitos humanos e, quando tentou regressar, as autoridades não permitiram. Segundo ele, a situação no país - onde segundo a ONU mais de 5 mil pessoas já morreram - está "cada vez mais crítica".

 

"Muitas cidades estão sem gasolina, água ou comida e o governo faz de tudo para controlar as imagens de protestos e da violência praticada contra civis", diz. Ainda de acordo com Qurabi, há lugares, como Homs, cercados pelo exército, que reprime a população inclusive nas fronteiras com a Turquia e o Líbano. "No início das revoltas, os assassinatos costumavam acontecer com mais frequência às sextas-feiras. Os combates se intensificaram e agora morrem cerca de 20 a 30 pessoas por dia", afirma. 

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