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Ator ruidoso sai de cena

A dúvida é se Raúl será capaz de preencher vazio deixado pela ausência do irmão

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Desta vez ele se retira de cena. De verdade. Em dezembro de 2006, pensamos que ele estivesse morto. Mas Fidel se contentou apenas em ficar doente, uma doença que hoje faz com que se aposente. Sem lamentos. O que se esvaece é uma imagem que nos acompanhou durante 49 anos e hoje está desbotada. Um homem que resistiu a dez presidentes americanos, de Eisenhower a George W. Bush. Um personagem mumificado, meio enterrado na sua poeira, que pertence à história passada. Nas telas de nossas lembranças, duas imagens resumem esse destino extraordinário: a primeira, de um gigante de 33 anos, fascinante, majestoso, triunfante, o jovem guerreiro que acabava de expulsar o ditador Batista, em 1º de janeiro de 1959. A segunda imagem é fúnebre: a cena que a TV cubana nos envia de tempos em tempos, desde a operação de Fidel em 2006: um velho de pijama que faz alguns pobres movimentos de braços para convencer a si próprio de que ainda está vivo, enquanto a morte parece já tomar conta dele. Vimos Fidel, em seu quarto de hospital, entregar-se a essa última dança, uma "dança macabra". Este é o fim lúgubre de um homem que tumultuou as últimas cinco décadas. Ele não é nada mais do que seu próprio fantasma, assim como a revolução humanista anunciada em 1959, que rapidamente degringolou e se transformou em tirania. Nos palcos do mundo, um ator ruidoso silencia. Sua ausência deixará um enorme vazio. Quem irá substituí-lo? Provavelmente seu irmão Raúl, que Fidel já tinha instalado no trono, após sua operação. Mas Raúl será capaz de preencher o espaço imenso ocupado por seu irmão? É certo que os dois são muito próximos (mesmos estudos com os jesuítas, mesmo ataque da caserna de la Moncada em 1953, mesmo exílio no México e mesmo desembarque do "Granma"). Mas as semelhanças param aí. O "líder mínimo" não tem a amplitude do "líder máximo". Talvez nem mesmo sejam irmãos, se é verdade que "mamãe Ina" o teria concebido em 1931 com auxílio de um policial mestiço de chinês na cidade de Biran, o que lhe valeu o apelido de "Chinito". Raúl, aliás, tem outros apelidos, como "o Asno", ou "modelo reduzido". Fidel é um parlapatão. Raúl economiza as palavras. Raúl é baixinho, um joão-ninguém, mal-humorado. Não tem nada da sedução diabólica do irmão mais velho. O escritor cubano Eduardo Manet, exilado em Paris desde 1960, diz que "o charme de Fidel era sem limites. Ele podia seduzir quem desejasse. O que ocorreu em Cuba é que o povo cubano caiu de amores por Fidel". As mulheres também não resistiram ao seu charme. "Ele era forte. Indestrutível. E rápido. Uma mulher que passou uma noite com Fidel disse que nem viu se ele tirou as botas antes de entrar em ação." Manet alerta contra esse "charme". "Fidel era o Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Em particular, era um homem sensível, fino, divertido, muito culto. Mas, se o que estava em jogo era a Revolução, ele se tornava implacável, bárbaro." Essa barbárie fez estragos: 17 mil pessoas fuziladas desde 1959. Mandou matar até mesmo antigos companheiros, como o general Ochoa, herói da guerra de Angola, fuzilado em 1989. Raúl continuará a linha flamejante, um pouco louca e bastante desumana de seu irmão? Ou colocará um fim na Revolução e buscará a calma e a pacificação? O chefe do conservador Partido Popular espanhol,Mariano Rajoy, disse esperar "que a partida de Fidel" seja "o início da democracia". Raúl tem a reputação de ser menos brutal. Mas talvez seja uma ilusão. Militar, organizador do corpo expedicionário cubano em Angola e na Etiópia, de 1970 a 1980, ele se apresentava como um "stalinista". Não se pode dizer também que seja uma pessoa muito terna: quando governador da província do Oriente em 1959, mandou fuzilar centenas de oponentes. É verdade que, mais recentemente, Raúl parece mais moderado do que Fidel. Em 1994, recusou-se a enviar o Exército para reprimir uma manifestação, como foi ordenado por Fidel. Difícil imaginar que esse personagem insosso, tão sem história, possa chegar aos excessos de Fidel. Além disso, o mundo mudou radicalmente depois de 1960. Fidel soube enfeitiçar seu povo graças a seus talentos, mas também se aproveitando habilmente da Guerra Fria, da qual foi um dos principais atores. Mas, quando do colapso da União Soviética, em 1990, todo o edifício diplomático por ele criado desmoronou. A ilha entra num "grande inverno". Está arruinada. O povo tem fome. Fidel aposta no turismo, retomando curiosamente o modelo daquele que ele derrubou, o ditador Batista. Cuba assemelha-se a, partir daí, a esses "paraísos tropicais" do Terceiro Mundo: o povo em farrapos, e os ricaços gorduchos do Ocidente a se exibir. A queda do comunismo foi o fim da "utopia cubana". Certamente, Cuba sobreviveu. O desafio lançado por Fidel aos Estados Unidos perdurou. Mas o "messianismo lírico" dos primeiros anos, que fez de Cuba o ponto de encontro de "rebeldes", "esquerdistas" e às vezes "sonhadores" do mundo inteiro, é quase uma lembrança. Cinzas, apenas. O curso da história rejeitou desdenhosamente, jogando para a margem da estrada os obscuros sonhos cubanos. A ilha continua, claro, atraindo alguns. Havana ainda é um lugar encantado. Chefes da América Latina, Chávez ou mesmo Lula, fizeram escala em Cuba, ou visitaram o velho guerreiro do Terceiro Mundo no seu quarto de hospital. Mas são gesticulações, peregrinações ou nostalgias. Cuba, agora, é um astro extinto, porque o caminho aberto por Fidel era uma "via sem saída", e porque o mundo entrou numa nova era. * Correspondente em Paris

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