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Audácia marca largada de Obama

Começo de mandato de democrata só perde nos últimos anos, em popularidade, para Reagan, indica pesquisa

Por Patrícia Campos Mello e WASHINGTON
Atualização:

A palavra-chave do governo Barack Obama, que completa cem dias na quarta-feira, é audácia. Em vez de concentrar-se apenas em tirar o país da recessão, Obama usou os primeiros três meses de governo para fazer avançar uma agenda ampla de reformas: assinou sete grandes legislações, entre elas o maior pacote de estímulo da economia da História, de US$ 787 bilhões, determinou o fechamento de Guantánamo em um ano, antecipou o prazo para a retirada das tropas do Iraque, ampliou as operações militares no Afeganistão, baixou medidas de recuperação do mercado imobiliário, liberou o financiamento de pesquisas com células-tronco, aprovou assistência médica para milhões de crianças, defenestrou o presidente da GM, acenou com a bandeira branca para os muçulmanos e desculpou-se pelo imperialismo na América Latina. O "obamismo" já mostrou a que veio: prega um aumento significativo da intervenção do governo na economia, de olho na redistribuição de renda, enquanto a política externa se destaca pelo pragmatismo da diplomacia e o centrismo em segurança nacional. O desempenho é invejável e rivaliza com os famosos 100 dias de Franklin D. Roosevelt, que conseguiu aprovar 15 leis importantes no Congresso no período. Mas muitos observadores se preocupam com a abordagem multitarefa de Obama. Muitos creem que ele está atirando para todos os lados, mas vai acertar poucos alvos. "O objetivo número um precisa ser a vitória na guerra econômica, o número dois é vencer a guerra econômica e o três, também; é difícil obter apoio se você está tentando enfiar várias coisas goela abaixo das pessoas de uma vez só", disse o megainvestidor Warren Buffett. "É difícil fazer tudo o que precisa ser feito, ele tem de estabelecer prioridades'', ecoou o senador Kent Conrad. O chefe de gabinete de Obama, Rahm Emanuel, defende o estilo multitarefa. "Nunca desperdice uma crise", diz Emanuel, repetindo um dos motes da Casa Branca sob Obama. "Coisas adiadas por muito tempo se tornaram urgentes, essa é a hora de agir." "Como todo presidente que tenta transformar a política americana e não apenas se adaptar ao status quo, Obama tenta concretizar várias tarefas importantes de uma vez", diz Michael Kazin, professor de História na Universidade Georgetown . "É uma aposta arriscada, mas isso não foi diferente com nenhum dos grandes presidentes." Para Kazin, Obama projeta uma imagem de "energia e visão" e os primeiros dias foram muito "bem-sucedidos". Segundo pesquisa da Pew Research, a taxa de aprovação de Obama está acima de seus antecessores. Ele tem 63% de aprovação, só perde para Ronald Reagan, que tinha 67% de aprovação no início de seu mandato. Ganha de George W. Bush, que tinha 56%, George Bush pai (58%) e Bill Clinton (55%). Em política externa, seu estilo atrai aplausos no exterior e controvérsia no país. Ainda não se sabe se a "doutrina Obama" de se aproximar de adversários renderá frutos. "Apertar a mão de adversários não é a mesma coisa que assinar acordos benéficos aos EUA", diz Julian Zelizer, professor de História na Universidade Princeton. Muitos conservadores se irritaram com o "tour do perdão" de Obama, que tem rodado o mundo pedindo desculpas por erros dos EUA. No Brasil, o estilo agradou. "Há um reconhecimento mais ou menos explícito de que a estratégia anterior - de prepotência militarista - não levou a parte alguma", diz uma fonte do Itamaraty. Para empreender o próximo capítulo de sua agenda - leis sobre energia, sistema de saúde e sistema financeiro - Obama precisará de todo o capital político que puder arrebanhar. "Tanto em energia como saúde, os democratas estão divididos, e como nenhum republicano vota com o presidente, Obama precisa de democratas unidos", diz. Seu cacife vai depender do sucesso de suas medidas para combater a crise econômica. "Obama será julgado de acordo com a eficácia de suas medidas para tirar a economia da crise. Se não funcionarem, ele perderá credibilidade", diz Allan Lichtman, professor de História Presidencial da American University. Nos cem primeiros dias, Clinton foi derrotado ao tentar aprovar no Congresso um pacote de estímulo de US$ 16 bilhões (uma fábula na época) e ao fracassar em sua integração dos gays no Exército. John F. Kennedy, no mesmo período de mandato, encaminhava-se para o desastre da Baía dos Porcos. Mas a História mostra que um começo de governo bem-sucedido não significa muita coisa. Os cem primeiros dias de Bush foram considerados "um sucesso" por vários analistas. TRABALHO INTENSO 20/01 Suspende por 120 dias as comissões militares criadas por Bush para julgar prisioneiros de Guantánamo 21/1 Lança código de ética para membros do governo, congela salários da Casa Branca superiores a US$ 100 mil por ano e estabelece restrições à atuação de lobistas em Washington 22/1 Ordena fechamento de Guantánamo em até um ano, o fim das prisões secretas da CIA no mundo e proíbe a tortura de suspeitos de terrorismo, revertendo polêmico legado de Bush 22/1 Nomeia ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU Richard Holbrooke como enviado dos EUA ao Paquistão e Afeganistão e o ex-senador George Mitchell como enviado para o Oriente Médio 26/1 Autoriza governos estaduais a adotar limites mais rígidos para a emissão de poluentes por carros e caminhões 28/1 Câmara aprova pacote de estímulo à economia de US$ 819 bilhões. Plano é a principal iniciativa de Obama para tirar a economia americana da crise 4/2 Estabelece limite de US$ 500 mil por ano para a remuneração de executivos de empresas socorridas pelo governo e chama bônus de Wall Street de "vergonhosos" 10/2 Lança plano de resgate dos bancos, que prevê injetar até US$ 2 trilhões no sistema financeiro do país 17/2 Sanciona plano de estímulo de US$ 787 bilhões, prevendo incentivos fiscais e gastos com infraestrutura 18/2 Anuncia plano de US$ 75 bilhões para ajudar 9 milhões de mutuários a não perderem suas casas por falta de pagamento 20/2 Nomeia o ex-embaixador dos EUA na Coreia do Sul Stephen Bosworth como enviado especial para a Coreia do Norte 23/2 Nomeia o diplomata Dennis Ross como conselheiro especial para o Sudeste Asiático e Golfo Pérsico, mais especificamente o Irã 26/2 Apresenta proposta de orçamento que prevê déficit de US$ 1,75 trilhão em 2009, o que representa 12,3% do PIB americano 27/2 Anuncia a retirada de todas as tropas de combate do Iraque até agosto de 2010 5/3 Apresenta proposta de ampliar a cobertura do sistema de saúde pública a todos os americanos 9/3 Revoga a restrição ao financiamento público de pesquisas com células-tronco embrionárias 13/3 Abandona o termo "combatente inimigo" para descrever o status dos prisioneiros detidos em Guantánamo 14/3 Recebe na Casa Branca o presidente Lula 20/3 Em mensagem de vídeo ao Oriente Médio, oferece ao Irã "um novo começo" 1/4 Negocia com o presidente russo a redução dos arsenais nucleares 2/4 Após tensões iniciais, Obama celebra a "reunião histórica" da cúpula do G-20 6/4 Na 1.ª viagem a um país muçulmano, vai à Turquia e diz que "os EUA não estão em guerra com o Islã" 7/4 Faz visita-surpresa a Bagdá 9/4 Pede ao Congresso outros US$ 83,4 bilhões para operações no Iraque e Afeganistão e anuncia fim das prisões secretas da CIA 13/4 Suspende restrições a viagens e envios de remessas a Cuba e autoriza que empresas de telecomunicações americanas operem na ilha 15/4 Nomeia um "czar da fronteira", Alan Bersin, para coordenar o combate ao narcotráfico e conter o fluxo de imigrantes ilegais vindos do México 19/4 Participação de Obama na 5ª Cúpula das Américas é elogiada por todos os líderes da esquerda. Estreia da "Doutrina Obama" foi festejada na América Latina

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