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Aumentam as tensões nos EUA envolvendo a 'diplomacia da doação de máscaras' da China

Autoridades americanas relutam em aceitar doações porque temem dar ao Partido Comunista Chinês uma vitória no campo da propaganda

Por Edward Wong e Paul Mozur
Atualização:

WASHINGTON - Quando Donald Trump conversou com o líder chinês Xi Jinping no final do mês passado com o fim de estabelecer uma trégua nos ataques envolvendo a pandemia do novo coronavírus, ele abriu o caminho para o envio robusto de suprimentos médicos de grande necessidade vindos da China.

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Mas com mais de 25 mil mortes nos Estados Unidos e os hospitais ainda lutando com a escassez de equipamentos, autoridades e executivos americanos citam novos problemas na compra de equipamento ou receber doações da China.

As remessas do material registram atrasos inesperados uma vez que as autoridades chinesas determinaram novas regras em resposta às queixas de que os produtos são de baixa qualidade. E algumas autoridades americanas relutam em aceitar doações porque temem dar ao Partido Comunista Chinês uma vitória no campo da propaganda.

Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e presidente da China, Xi Jinping, em Pequim. Foto: Reuters/Damir Sagolj

As duas superpotências competem para assumir o papel de líderes globais durante a crise, apesar das profundas falhas na maneira como as autoridades dos dois países responderam à epidemia. No momento, os chineses têm poder para facilitar ou dificultar o fluxo de suprimentos vitais para os Estados Unidos e outras nações. Os dois lados precisam trabalhar estreitamente para orquestrar as remessas dos equipamentos mesmo com as autoridades americanas mantendo profundas suspeitas com a chamada “diplomacia das máscaras” da China, um esforço global de Pequim que envolve o envio de aviões lotados com equipamentos médicos e delegações de especialistas em saúde.

As complicações surgidas devem reforçar os argumentos de alguns membros do governo Trump de que as empresas americanas têm de retirar suas cadeias de fornecimento da China.

Na segunda-feira, em uma coletiva de imprensa, Trump indicouque pode encerrar a trégua com a China ao usar o termo “vírus de Wuhan”, um rótulo odiado por Pequim que enfatiza a cidade onde o vírus foi detectado pela primeira vez.

Os reguladores chineses, constrangidos com notícias de que equipamentos médicos de baixa qualidade foram enviados para a Europa, impuseram nova regra na sexta-feira, determinando que os responsáveis alfandegários inspecionem todos os carregamentos de máscaras, ventiladores e outros equipamentos antes de eles deixarem o país.

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Esta foi a mais recente de uma série de medidas que começaram a dificultar as remessas. Um empresário americano afirmou que uma nova lista de produtos que devem passar por uma inspeção é tão longa que inclui até bolas de algodão. As autoridades americanas declararam que, depois de ouvirem queixas de empresas dos Estados Unidos, vêm tendo de lidar com os atrasos caso a caso.

Em algumas situações as autoridades chinesas ajudaram a dirimir as complicações. Mas as confusões burocráticas têm exasperado as autoridades americanas que afirmam que essa burocracia provoca uma retenção dos equipamentos num momento de desespero.

Executivos americanos vêm se queixando cada vez mais dos atrasos. Voos charter dos Estados Unidos ficam parados, vazios, durante dias na China. Milhões de máscaras e milhares de ventiladores são mantidos nas fabricas e armazéns às vezes durante semanas.

Jacob Parker, vice-presidente sênior do US-China Business Council, disse que as restrições são “o principal problema de algumas das maiores companhias no mundo”.

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“É uma política bem intencionada que tem consequências inesperadas em diversas áreas”, afirmou. “Este é um grande problema para nossos membros”.

Zhao Lijian, porta-voz do ministério do Exterior da China, disse na sexta-feira que Pequim trabalhará com outros países “para salvaguardar a proteção da saúde pública internacional”. O país exportou mais de US$ 1,4 bilhão de suprimentos de combate à pandemia de primeiro de março até quatro de abril, ele afirmou, e que dezenas de países firmaram contratos.

Mas muitos dos carregamentos são parte de acordos comerciais de longo prazo entre empresas não chinesas, como a 3M, e fábricas ou contratantes na China.

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O Departamento de Estado parece determinado a competir com a China em termos de publicidade envolvendo ajuda. Seu website informa que ele forneceu quase US$ 500 milhões a título de auxílio externo para o combate da pandemia. Na semana passada, o secretário de Estado Mike Pompeo afirmou numa videoconferência com jornalistas na Europa que “não há nenhum país no mundo que fornecerá tanta ajuda e assistência sob múltiplas formas como os Estados Unidos da América”.

Uma nova regra estabelecida na China determina que os suprimentos destinados aos Estados Unidos precisam ser aprovados não só pela FDA americana, mas agora também pela National Medical Products Administration da China, aprovação que muitos importadores não possuem.

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As regras impostas ameaçam uma interrupção no fornecimento de ventiladores no caso de companhias como a General Electric e têm impedido as remessas de máscaras para a Agência federal de gerenciamento de emergências dos Estados Unidos. No início desta semana, um avião com destino a Massachusetts partiu com menos da metade das 10 milhões de máscaras que deveria transportar. Diversos fabricantes de testes também tiveram dificuldade. Foi o caso da PerkinElmer, que aguardava um grande suprimento que sofreu dias de atraso.

Mas são as autoridades americanas as responsáveis pelo atraso de uma carga de equipamentos. Durante semanas autoridades em Washington debateram se aceitavam a doação de máscaras pelo Ministério do Exterior chinês. Embora os trabalhadores da área médica estejam desesperados pelas máscaras, algumas autoridades afirmam que aceitar a doação ajudará na campanha de propaganda da China.

Esse debate é sinal da fúria e frustração crescentes de Washington com a campanha chinesa. Membros do governo americano que consideram o Partido Comunista Chinês mal-intencionado estão furiosos com o que chamam de esforços do partido comunista para reformular o discurso da pandemia que se propagou rapidamente além da China por ter sido ocultada das autoridades. (O Departamento de Estado não respondeu a perguntas sobre a oferta feita nem sobre sua posição sobre as doações da China).

Segundo as autoridades americanas, a China vem tentando desviar a atenção das raízes da pandemia por meio de remessas de suprimentos adquiridos e algumas doações feitas. As autoridades chinesas com frequência dizem a seus colegas no exterior que eles têm de agradecer publicamente à China em troca do envio dos equipamentos, afirmam autoridades, executivos e analistas ocidentais com conhecimento das conversas.

“O que mais me surpreende é a que ponto o governo chinês parece estar exigindo demonstrações públicas de gratidão da parte de outros países; isto certamente não faz parte da tradição dos melhores esforços de ajuda humanitária”, disse Elizabeth C. Economy, diretor da área de estudos asiáticos no Council on Foreign Relations. “Parece estranho esperar declarações assinadas de agradecimento de outros países no meio da crise”.

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As novas regras de exportação da China também podem prejudicar seus próprios esforços de propaganda, mesmo que o objetivo dessas regras - que é assegurar que apenas equipamentos médicos funcionais deixem o país - seja válido.

Algumas companhias americanas já começaram a realocar suas redes de fornecimento para fora da China em resposta às tarifas impostas por Trump como parte da guerra comercial que ele iniciou em 2018. Agora também a paralisação econômica na China durante a pandemia e a escassez global de produtos médicos de fabricação chinesa vêm aumentando os apelos no sentido de um maior afastamento.

Peter Navarro, assessor comercial da Casa Branca, redigiu uma ordem executiva cuja finalidade seria estimular as empresas farmacêuticas americanas a transferirem sua manufatura para os Estados Unidos, mas alguns membros do governo e legisladores se opõem a isto.

“Uma das coisas que esta crise tem nos ensinado é que estamos, de modo perigoso,excessivamente dependentes de uma cadeia de suprimentos global.”, disse Navarro na semana passada, durante uma coletiva de imprensa com Trump. “Nunca mais deveremos depender do resto do mundo para termos nossos medicamentos e medidas defensivas essenciais”, disse ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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