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Autoridades colombianas castram hipopótamos de Pablo Escobar para evitar desastre ambiental

Nos 27 anos que se passaram após a morte de Escobar, o grupo de quatro animais se transformou em uma manada de 80 a 120

Por Jonathan Edwards
Atualização:

Partes do legado de Pablo Escobar eram evidentes mesmo antes de ele ser metralhado no telhado de um de seus esconderijos, em 1993 - ele foi o chefão da droga que fabricou e traficou quantidades imensas de cocaína, o assassino que executou um número incalculável de pessoas nas ruas da Colômbia, o terrorista que assassinou 110 pessoas quando explodiu um avião comercial.

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Mas um de seus mais duradouros legados provavelmente não era tão aparente: hipopótamos.

Nos anos 80, Escobar contrabandeou vários deles para sua propriedade no território colombiano, a Hacienda Nápoles, juntamente com várias outras espécies exóticas, para criar um zoológico particular. Depois de se apossar da fazenda, as autoridades venderam os animais, mas deixaram para trás quatro hipopótamos.

Hipopótamos são vistos no centro de cuidados em Doradal Foto: Cornare/AFP

“Era difícil, em termos de logística, transportar os animais, então as autoridades simplesmente os deixaram por lá, provavelmente pensando que eles morreriam”, afirmou neste ano à BBC Nataly Castelblanco-Martí­nez, ecologista colombiana que trabalha na Universidade de Quintana Roo, no México.

Em vez disso, os hipopótamos prosperaram. Nos 27 anos que se passaram após a morte de Escobar, o grupo de quatro animais se transformou em uma manada de 80 a 120. Pesquisadores estimaram recentemente que essa população de hipopótamos aumentará vertiginosamente até 2039, para mais de 1,4 mil animais, se nada for feito.

Até lá, os hipopótamos terão causado um dano irreversível ao meio ambiente, e será impossível controlar sua população, afirmaram pesquisadores. As autoridades intervieram este ano, usando um contraceptivo químico para esterilizá-los e não ter de lidar com as críticas que provavelmente sofreriam por exterminar os animais, que ficaram conhecidos como “pets locais”.

Desenvolvida pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, a droga GonaCon inibe a produção de hormônios sexuais nos animais, como estrogênio e testosterona, colocando-os em uma “condição não reprodutiva”. A agência americana doou 55 doses da droga para as autoridades reguladoras da vida selvagem colombiana.

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A Colômbia se provou um “paraíso para hipopótamos”. Na África, secas sazonais controlam a população de hipopótamos, tornando-os mais vulneráveis aos predadores. Sem esse controle natural, sua população explodiu na Colômbia, onde a água é abundante o ano inteiro, não falta comida e não há predadores grandes o suficiente para ameaçá-los.

Autoridades tentaram argumentar ao longo dos anos que os hipopótamos são ruins para o país. Ecologistas afirmam que eles causam estrago no meio ambiente. Nutrientes nas fezes dos hipopótamos alimentam a proliferação de algas, o que reduz os níveis de oxigênio nas águas. Isso mata os peixes, o que prejudica a economia local. Hipopótamos também são capazes de machucar pessoas. No ano passado, um deles mordeu um rancheiro, quebrando sua perna, bacia e várias costelas.

Como resultado, cientistas argumentaram a favor da esterilização dos hipopótamos em um artigo acadêmico publicado em janeiro. Castelblanco-Martí­nez, a principal autora do estudo, afirmou que os hipopótamos representam “um dos maiores desafios relativos a espécies invasoras no mundo”. Sacrificar 30 hipopótamos por ano é “a única estratégia eficiente para conter a invasão”, escreveram Castelblanco-Martí­nez e seus colegas no artigo.

“É óbvio que temos pena desses animais, mas enquanto cientistas precisamos ser honestos”, afirmou Castelblanco-Martí­nez à BBC. “Hipopótamos são uma espécie invasora na Colômbia, e se não matarmos uma parte dessa população agora, a situação poderá ficar fora de controle em apenas 10 ou 20 anos.”

Profissionais preparam dardos para adormecer hipopótamos e esterilizá-los em um centro de saúde de Doradal, no Departamento de Antioquia Foto: Cornare/AFP

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Mas as autoridades não divulgaram amplamente o argumento de que os hipopótamos são ruins. Na verdade, alguns colombianos se apegaram aos africanos desterrados com o passar do tempo, noticiou The Washington Post este ano. Os bichos até fomentaram uma incipiente indústria turística. Moradores locais levam visitantes a safáris para observar os hipopótamos e vendem quinquilharias com sua temática. Lojas de suvenir nas cidades mais próximas vendem camisetas e chaveiros. No parque de diversões construído sobre as ruínas da Hacienda Nápoles turistas visitam um lago onde dezenas de hipopótamos vivem atualmente.

“O hipopótamo é o pet da cidade”, afirmou uma moradora, Claudia Patricia Camacho, em uma reportagem de 2018 do telejornal Noticias Caracol.

Esse carinho impediu as autoridades de ouvir o conselho de Castelblanco-Martínez e optar pela solução mais fácil e eficiente para acabar com a proliferação dos hipopótamos e a devastação ambiental: matá-los. Depois que três hipopótamos escaparem da Hacienda Nápoles em 2009 e, segundo relatos, aterrorizarem fazendas vizinhas, a agência ambiental da Colômbia enviou caçadores para matá-los. Quando fotos de um dos caçadores posando ao lado da carcaça de um dos animais adultos que foi morto - um macho chamado Pepe - defensores dos direitos dos animais chiaram. Um juiz rapidamente suspendeu demais caçadas.

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“Algumas pessoas na Colômbia se enfurecem bastante quando falamos dos hipopótamos”, afirmou Castelblanco-Martí­nez. “As pessoas tendem a compreender muito mais o problema de espécies invasoras quando falamos de plantas ou criaturas mais pequenas, em vez dos imensos mamíferos que tanta gente acha tão lindos.”

As autoridades apelaram para medidas menos drásticas. Uma opção que tentaram foi a esterilização tradicional, o que se mostrou trabalhoso e caro demais. Cientistas levaram três meses para localizar um único macho. E mesmo depois de o encontrarem e o doparem com um poderoso tranquilizante para elefantes, tiveram dificuldades para encontrar seus genitais. Além disso, o custo de cada castração pode ficar em torno de US$ 50 mil.

“Foi horrível”, recordou-se David Echeverri López, pesquisador da agência ambiental regional Cornare, que conduziu o esforço de esterilização em 2013.

A Cornare e Echeverri López também estão conduzindo o mais recente projeto de esterilização química dos hipopótamos. Em um comunicado, afirmaram que as autoridades planejam continuar esterilizando o grupo principal de hipopótamos que surgiu das cinzas do império da droga de Escobar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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