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Bahrein é peça fundamental na geopolítica do Oriente Médio

MANAMA - O Bahrein, uma pequena nação composta por 33 ilhas no Golfo Pérsico, nunca desempenhou um papel proeminente nos assuntos regionais ou árabes. No entanto, as revoluções que tomaram o Oriente Médio e norte da África a partir do fim de 2010, apelidadas de Primavera Árabe, colocaram o pequeno país sob os holofotes internacionais por conta de um fator geopolítico crucial para o mundo árabe - as intenções do Irã de expandir sua influência sobre os países islâmicos e tornar-se uma potência regional.

Por Solly Boussidan
Atualização:

 

Veja também:linkJustiça do Bahrein anula sentenças contra manifestantesvideo TV ESTADÃO: 'Bahrein é caso peculiar no Oriente Médio'tabela ESPECIAL: Um ano de Primavera Árabe

 

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O Bahrein é a única nação árabe a possuir uma população majoritariamente xiita. No entanto, o país, que adota um regime monárquico autoritário, é governado principalmente por sunitas. Essa distinção - com exceção de algumas práticas religiosas islâmicas - é praticamente imperceptível no dia-a-dia da sociedade bareinita, mas gera uma revolta generalizada quando políticas públicas especificamente dão preferência aos sunitas.

 

A revolta popular na nação-ilha, ao contrário de muitas especulações feitas à época, não ocorreu, entretanto, por conta de tensões religiosas. "Não fomos às ruas porque somos xiitas e temos problemas com sunitas - isso foi um pretexto inventado pelo governo e pela mídia estatal e muito bem propagado na mídia internacional", contou um ativista local de 33 anos que trabalha no setor financeiro. Ele não revelou seu nome à reportagem do estadão.com.br porque, segundo ele, recebeu ameaças diretas do governo por telefone e através do Twitter.

 

Mídias e redes sociais

 

"Nos manifestamos porque queríamos mais liberdade e o direito de eleger o primeiro-ministro", explica o ativista. De acordo com ele, os protestos eram, no início, "algo pacífico, um diálogo, um pedido". Nesta fase, como relata, havia famílias e crianças protestando. "O governo decidiu não escutar as pessoas e lançar uma guerra generalizada, matando manifestantes. O único modo de divulgarmos para o mundo o que ocorria aqui foi utilizando mídias e redes sociais, como Twitter, Facebook e blogs. Era também um jeito de refutar as mentiras do governo", contou.

 

"Parei de escrever. Há um momento em que o jogo se torna muito perigoso", disse, ao comentar as ameaças. Ao longo da cobertura dos protestos no país, a opinião quase unânime era a de que o principal problema local era a permanência do linha-dura Khalifa ibn Salman al-Khalifa, tio do atual rei do Bahrein, como primeiro-ministro. Al-Khalifa, que não foi eleito, está há 40 anos no poder.

 

"Pensar em modificar o sistema monárquico ou pedir a saída do rei era um completo tabu. Só se começou a falar nessa possibilidade com o aumento da violência e, mesmo assim, de forma muito superficial", explica o ativista. As manifestações e confrontos ocorreram principalmente na praça da Pérola - até então um símbolo da capital, Manama.

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Poucos dias depois de os manifestantes serem dispersados do local, a praça foi tomada por militares e completamente demolida e fechada. Além das revoltas pela morte de ativistas e centenas de denúncias de prisões políticas e tortura, outro fator que enraiveceu os cidadãos do país foi a perseguição institucional contra os xiitas, que, segundo sindicatos locais, passaram a ser demitidos sem qualquer justificativa de postos públicos e de empresas privadas, foram pressionadas pelo governo.

 

Revoltas na rede

 

As manifestações em Bahrein só chamaram mesmo a atenção mundial depois que um número crescente de fotos e vídeos passou a aparecer na internet. Com medo de que a revolta saísse de controle, os governos da Arábia Saudita e do Bahrein costuraram um acordo para que a Guarda Nacional Saudita, sob a suposta égide do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), entrasse e policiasse o Bahrein.

 

Com o grande contingente militar e intimidação de ativistas pela internet, o governo conseguiu aplacar as manifestações sem ceder ao apelo popular - exatamente o que os sauditas esperavam conseguir. As revoluções pró-democracia nos países árabes em geral e no Bahrein em específico são um fator de extrema preocupação para a Arábia Saudita, um dos países mais autoritários e repressivos do planeta, majoritariamente sunita e governado com punho de ferro por uma monarquia ditatorial que se utiliza de leis teocráticas ortodoxas para se perpetuar no poder.

 

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As manifestações no Bahrein, além de incitarem um movimento similar em território saudita, têm o potencial de colocar a maioria xiita da ilha no poder e, como consequência, estender a influência iraniana, país persa governado por uma teocracia xiita a poucas centenas de quilômetros do Bahrein, até a fronteira saudita - ambas situações intoleráveis para o governo da Arábia Saudita, que oprime mais de 27 milhões de pessoas e disputa com o Irã o papel de potência regional, impulsionada por ser o maior país árabe enriquecido por petro-dólares e de sua identidade sunita compartilhada com a maioria dos demais países da região.

 

Por ora, a situação no Bahrein é de aparente calma - os distúrbios são localizados principalmente nos bairros xiitas e as manifestações se resumem a pixações, bandeiras e buzinaços. Segundo o brasileiro Luis Phillippe Teixeira, que trabalha para uma multinacional em Manama, durante o feriado xiita de Ashura "a polícia se retirou para não piorar a situação e tudo tem seguido de forma normal na ilha".

 

Apesar disso, a tensão entre o governo, escorado por mercenários vindos principalmente do Paquistão, e a sociedade do Bahrein é algo palpável - qualquer deslize de uma das partes tem o potencial de gerar novos protestos e muita violência.

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