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Bares de acompanhantes ajudam sul-coreanas ricas a driblar solidão

Casas noturnas de Seul exclusivas para o público feminino oferecem homens para 'conversar' por até US$ 600 (R$ 1,2 mil).

Por Lucy Williamson
Atualização:

O rápido crescimento econômico da Coreia do Sul tem provocado profundas mudanças na estrutura da conservadora sociedade do país, incluindo a proliferação de bares exclusivos para o público feminino. Nesses locais, regados à bebida alcoólica, mulheres financeiramente independentes pagam um bom dinheiro para passar a noite ao lado de uma companhia masculina. Uma dessas casas noturnas é o Bar 123, onde, sob luz baixa, uma dezena de homens jovens enfileiram-se de joelhos em um pequeno quarto no subsolo de Gangnam, um dos mais ricos distritos da capital da Coreia do Sul, Seul, e mundialmente conhecido pelo hit Gangnam Style, do rapper sul-coreano Psy. Enquanto estão ajoelhados, os homens gritam seus nomes na tentativa de chamar a atenção das clientes afortunadas. Malhados e com cortes de cabelo que se assemelham aos de integrantes de boy bands, esses garotos percorrem a limitada área à espera de serem escolhidos. No corredor ao lado do espaço, mais meninos chegam para mais uma noite de trabalho. São 2 horas da manhã quando as primeiras clientes chegam. Uma das frequentadoras assíduas desse estabelecimento é Minkyoung, gerente de um hotel cinco estrelas sul-coreano. À primeira vista, entretanto, ela não parece ter o estilo tradicional de "mulher caçadora". Minkyong tem uma beleza natural quase infantil e suas roupas não apresentam qualquer resquício de vulgaridade. Tampouco parece alguém que pagaria para ter a companhia de um homem por uma noite. Mas a sedução dos bares sempre fala mais alto. Em tais estabelecimentos, diz Minkyoung, ela recebe maior atenção dos homens, além de ter oportunidade de escolher e, assim, ter mais controle sobre si mesma. "Nos bares tradicionais, os homens que bebem comigo só tem um objetivo - me levar para cama, se possível, na mesma noite. Mas eu não quero isso; daí que eu venho aqui para me divertir, basicamente", explica ela. Os rapazes são contratados pelos bares para oferecer companhia e entretenimento às mulheres como Minkyong. Oficialmente, o trabalho consiste em levar bebida às clientes, falar e dançar com elas, além, é claro, de cantar karaokê, uma das paixões nacionais. Sexo Nesses locais, o sexo não está no menu. Em princípio, qualquer envolvimento sexual seria considerado ilegal, mas Minkyoung, por exemplo, não tem pudores em flertar e tocar seu companheiro daquele noite. Por baixo dos panos, os homens que trabalham ali estimam que cerca de metade das clientes querem pagar por sexo, dentro ou fora do estabelecimento. James trabalha no Bar 123 há alguns anos. A cultura coreana, explica ele, dá grande importância "ao orgulho próprio" e o preço por sexo nunca é negociado às claras. Em vez disso, acrescenta, uma eventual relação sexual depende mais da intenção dos rapazes do que propriamente da cliente. "Os meus colegas são todos a favor (do sexo) e nós sabemos o que fazemos", afirma James. "Após conversar com a cliente por uma hora, nós, basicamente, conseguimos avaliar quanto dinheiro ela tem e no que ela trabalha. A partir dessa avaliação, sabemos mais ou menos quanto ela está disposta a pagar", disse. James e outros rapazes afirmam que grande parte de suas clientes pertence à elite sul-coreana, e que dá para ganhar muito dinheiro e regalias com o trabalho. Segundo ele, em sua primeira semana de trabalho, conheceu uma mulher que, depois alguns minutos de bate-papo, lhe pediu 'exclusividade' por dois anos. "Ela disse: Vamos assinar um contrato", conta James, para depois lhe mostrar um pedaço de papel numerado de um a cinco. "Cada um desses números representava um valor", explica. "E ela, então, me disse: pode escolher o que quiser que eu pago". Inicialmente, James, talvez por inexperiência, achou que se tratava de uma brincadeira e recusou a oferta. Mas, pouco tempo depois, descobriu que um de seus colegas tinha faturado - e alto - em cima da cliente. Ele teria ganhado em torno de US$ 60 mil (R$ 120 mil) pelo 'contrato'. "Se ela viesse novamente com essa proposta, aceitaria imediatamente. Na época, eu era muito ingênuo", afirmou. Começo Ironicamente, a maioria dos bares nasceu de uma das tradições típicas entre os homens de negócio do país. Não é de hoje que o imaginário sul-coreano está habituado com cenas de um grupos de homens reunidos em torno de uma mesa sendo servidos por lindas e atraentes acompanhantes. Foi da necessidade dessas acompanhantes de se destressar após o trabalho que surgiram os bares exclusivos para mulheres, com um staff exclusivo de homens, diz Kim Dong-hee, um veterano do circuito. "O que essas acompanhantes queriam é fazer nós, homens, sentirmos na pele o que parte delas sofre. Muitas vezes, essas meninas são forçadas a fazer coisas que não querem, só por dinheiro", explica. Especialistas creditam o crescimento dos bares exclusivamente femininos ao rápido crescimento econômico da Coreia do Sul. Mas, segundo Jasper Kim, presidente da consultoria Global Research Group em Seul, esse crescimento teve seu lado ruim. "Eu acho que todo o rápido crescimento traz consigo rápidas mudanças, e os coreanos não estão sabendo se adaptar a elas. Surpreendentemente, o capitalismo está provocando uma mudança em normas sociais básicas que seriam impensáveis há algumas décadas", afirmou. Para Kim, por exemplo, as longas jornadas de trabalho da Coreia do Sul, conhecidas mundialmente, fizeram com que muitas mulheres do país passassem a se sentir muito solitárias, enquanto que o avanço tecnológico acabou por separar muitas pessoas do convívio social. "O componente humano da sociedade coreana simplesmente deixou de existir. As pessoas estão focadas na tecnologia, nos seus empregos, e não mais nas relações humanas", comenta. Novo empreendimento O veterano da cena dos bares femininos, Kim Dong-hee, concorda que muitas frequentadoras não estão pagando por sexo, mas pela companhia dos homens, o que o incentivou a abrir uma nova rede para capturar esse mercado, chamada Red Model Bars. "Os homens querem prazer visual e são mais táteis. Já as mulheres querem conversar e ser ouvidas. Por isso, decidi abrir esse novo bar - onde o diálogo tenha grande importância", explica. Os Red Model Bars de Kim Dong-hee são diferentes das tradicionais casas noturnas em um único aspecto - há uma regra de não tocar os rapazes. As clientes sentam de um lado da mesa, os garotos de outro, e nenhum contato físico é permitido. O novo modelo de negócio depende inteiramente da vontade das mulheres de pagar centenas de dólares para conversar com homens bonitos em meio a algumas taças de vinho ou copos de cerveja. Ainda assim, a empreitada parece estar dando certo. Dong-hee planeja abrir mais três bares desse tipo neste ano. Um dia inteiro de atenção masculina, um bem raro nos dias de hoje, custa caro: varia de US$ 487 a US$ 650 (R$ 974 a R$ 1,3 mil). Para a florista Kim Nayu, que frequenta o bar diariamente para "discutir assuntos de rotina", "conversar com as amigas seria mais barato", admite. "Mas elas não querem ouvir meus problemas. Elas estão ocupadas, e com pressa para falar sobre si mesmas. Aqui as pessoas prestam atenção e me ouvem", explica. "Eu gasto muito dinheiro com isso, claro, mas vale cada centavo pelo lado emocional. As pessoas pagam para ir ao psicólogo ou psiquiatra, por que eu não posso ter algo similar e, ao mesmo tempo, menos estressante?", questiona. Um dos rapazes favoritos de Nayu é Sung-il, para quem é difícil, muitas vezes, separar o lado pessoal do profissional. "Honestamente, estaria mentindo se dissesse que nunca fiquei tentado em tentar querer algo mais com algumas clientes, porque somos humanos e somos homens, mas há regras", explica. Ele conta que uma de suas clientes falou tanto dele para o seu marido que, no dia em que os três se encontram, ocorreu algo improvável: os dois ficaram amigos. Para especialistas, o crescimento desse tipo de bar na Coreia do Sul representa um novo desafio para a sociedade coreana, acostumada às populares casas noturnas e a antros de prostituição feminina. Ao oferecer às mulheres um caminho respeitável para desafiar o papel dos gêneros e flexibilizar o poder econômico, esses novos estabelecimentos, acreditam, levantam questões na sociedade coreana que não podem mais ser ignoradas. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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