Batalha política põe Rumsfeld na mira

Secretário da Defesa tem sido acusado de interferir nos planos de guerra para reduzir as tropas americanas. Ele nega as críticas, mas avisa que "os dias mais difíceis e perigosos" ainda estão por vir

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Por Agencia Estado
Atualização:

As críticas públicas de generais da ativa e da reserva ao plano militar da invasão do Iraque ampliaram-se no fim de semana e colocaram o secretário da Defesa Donald Rumsfeld na mira de uma intensa batalha política que a Segunda Guerra do Golfo provoca em Washington. De acordo com mais de uma dúzia de altos oficiais da ativa e alguns ex-generais ouvidos pelos jornalistas Vernon Loeb, do Washington Post, e Seymour Hersh, da revista New Yorker, Rumsfeld interferiu repetidas vezes na preparação dos planos da invasão para rejeitar conselhos dos chefes militares, que insistiam na necessidade de um maior contingente de tropas e de equipamentos blindados para atingir o objetivo fixado pelo presidente George W. Bush de derrubar o regime de Saddam Hussein. A inesperada resistência das forças iraquianas e da ausência de um levante popular contra Saddam, que aparentemente não constavam no plano de guerra, deixaram as tropas invasoras numa posição difícil, sem o contingente suficiente para avançar e com sua linha de abastecimento de mais de quinhentos quilômetros vulnerável a ataques do inimigo. Segundo Hersh, um veterano e premiado repórter investigativo conhecido por seu acesso a fontes militares e de inteligência, em pelo menos seis ocasiões Rumsfeld interveio para reduzir o contingente de tropas terrestres previsto pelo plano desenvolvido pelo general Tommy Franks, o chefe do Comando Central das forças armadas americanas, e por seus generais. Os oficiais ouvidos pelo Post, que incluiu um comandante de forças atualmente no Iraque, disseram que as interferências do secretário da Defesa partiram sempre do pressuposto de que a guerra seria rápida e alteraram a seqüência de mobilização de forças preferida pelos generais, causando os problemas que as tropas americanas agora enfrentam para avançar. Rumsfeld rejeitou ontem as acusações como "absolutamente falsas". Falando ao programa This Week, da rede ABC, o secretário de Defesa reiterou a defesa que apresentou na última sexta-feira: "o plano de guerra é de Tommy Franks e de seus comandantes, passou pelo processo de decisão do Conselho de Segurança Nacional" e está sendo executado da forma como foi concebido. "Se você falar com qualquer pessoa do Comando Central envolvida nesse processo, verá que cada coisa que eles pediram, na realidade, aconteceu", disse ele. Diante de vários indícios em contrário, que sugerem que o avanço sobre Bagdá esperará pela chegada e posicionamento de reforços, Rumsfeld afirmou que "não temos nenhum plano para pausas, cessar-fogo ou qualquer outra coisa". Ele insistiu a guerra começou há "apenas nove dias". Segundo o secretário de defesa é cedo para fazer avaliações e o resultado final continua fora de questão. "( A guerra) terminará com a libertação do povo iraquiano", disse ele. Franks também rebateu as críticas, numa entrevista coletiva em Doha. Ele disse que a guerra continua a evoluir "de acordo com o plano". O general afirmou que está satisfeito com o avanço e chamou de "notável" a situação de suas forças nas várias frentes de batalha. Ele assumiu plena responsabilidade pela estratégia e negou que Rumsfeld tenha negado as tropas e os tanques de que ele necessitava para montar a invasão. Mas tanto o general como o secretário da Defesa evitaram prever quanto a guerra durará - um dado chave tanto para a manutenção do apoio popular à guerra nos EUA, que continua firme apesar da frustração da expectativa de uma rápida vitória, como para a criação de condições favoráveis para viabilizar os planos americanos para o Iraque pós-Saddam, que afiguram-se mais complicados do que a guerra. "Nunca tivemos cronograma , sempre disse que (a guerra) poderia durar dias, semanas ou meses, e não creio que precisamos de um cronograma", afirmou Rumsfeld. Mas ele ressalvou que "os dias mais difíceis e perigosos estão à nossa frente". Franks evitou responder um pergunta sobre a possibilidade de a guerra durar até o verão. "Nunca se sabe quanto uma guerra demora", disse o general. O artigo de Hersh, que circula na edição desta semana da New Yorker, sustenta que o secretário da Defesa ignorou conselho de Franks para adiar o início do ataque até a chegada ao Kuwait dos 35 navios que transportam o equipamento da Quarta Divisão de Infantaria. O material, inicialmente destinado para uma frente de guerra no norte do Iraque, teve que ser desviado para o Kuwait depois que o governo da Turquia negou-se a autorizar a passagem por seu território. Hersh atribui a seguinte declaração a um "alto planejador do Pentágono": "Ele (Rumsfeld) achou que sabia tudo e foi quem tomou todas as decisões. Essa é uma confusão que Rummy (apelido de Rumsfeld) criou para si mesmo porque ele não queria uma presença pesada de forças terrestres". O jornalista cita também um "ex-alto oficial de inteligência", segundo o qual as tropas americanas, surpreendidas pela resistência das forças iraquianas, "não tem os recursos" de que precisa para realizar a missão que recebeu. "Ele ( Rumsfeld) estava focalizado em provar que os iraquianos se entregariam". É sabido que o secretário de Defesa tem uma relação difícil com o alto comando do exército desde que assumiu o Pentágono, em janeiro de 2001. Seus planos de modernização da força, que enfatizavam a guerra tecnológica, a flexibilidade e o papel de unidades especiais, enfrentaram forte resistência dos generais. E a falta de entusiasmo do exército pela invasão do Iraque manifestou-se ao longo do ano passado em seguidos vazamentos de informações sobre o plano de guerra à imprensa. A batalha que Rumsfeld trava com os generais do Pentágono e oficiais da reserva provavelmente virará uma nota de rodapé se a guerra trouxer boas notícias para os EUA nos próximos dias e semanas. No momento, contudo, ela chama atenção para um o problema latente criado pela decisão de Bush de invadir o Iraque: a dificuldade crescente de conciliar, por um lado, o imperativo político da administração, de travar uma guerra curta, que contenha as baixas entre as tropas americanas e a população civil iraquiana, e limite os danos à infraestrutura do país, e, por outro, a necessidade dos comandantes da campanha militar de preparar-se para uma guerra mais longa e mais difícil do que eles, os governantes dos EUA e os americanos esperavam. Veja o especial :

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