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Bilionários bandidos

Entre os que buscaram brechas para burlar o Fisco está até uma rainha

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Ao criar o mundo, o bom Deus fez bem em povoá-lo não apenas com elefantes, pulgas e ministros, mas também com jornalistas. Esses profissionais substituem com vantagem os policiais, inspetores de alfândega, banqueiros, ministros e presidentes quando se trata de caçar malfeitores e quadrilhas que fraudam o Fisco.

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O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (CJI) descobriu uma imensidão de documentos comprovando fraudes fiscais. As provas surgiram graças à divulgação de papéis de uma grande banca de advogados das Bermudas, num total de 6,8 milhões de documentos. 

Roupa da rainha Elizabeth II provoca rumores nas redes sociais sobre suposta alusão à União Europeia Foto: REUTERS/Carl Court/Pool

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O resultado é arrasador. A investigação desvendou não um simples trabalho de escroques, mas algo mais imoral. Identificou indivíduos e grandes grupos que não cometem fraudes diretas nem violam a lei, mas, com legiões de renomados advogados, exploram as brechas fiscais, as zonas de sombra, para reduzir a quase nada os impostos a pagar. São bandidos honestos.

O ponto central é que as leis variam de país para país. Basta descobrir onde o direito pode ser mais bem manipulado. Então, com os artifícios aí implícitos, bilionários desonestos, mas “dentro da lei”, podem se dar o luxo de ridicularizar o Fisco. Nos dois casos, os culpados se mostram indignados. Não violaram a lei! São puros como cordeiros! Cordeiros cumpridores das leis, mas malcheirosos.

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Reportagem publicada pelo Le Monde abrange grandes empresas e diz respeito principalmente a fortunas privadas – de atores, cantores, herdeiros, parasitas, famosos e políticos. Que Madonna faça de tudo para reduzir a quase nada seus impostos não espanta mais ninguém. Ou que a maior parte dos ministros e conselheiros de Donald Trump faça o mesmo e seja pós-graduada em vigarice. Tudo dentro da lei.

Mais chocante, porém, é o caso da rainha Elizabeth II. Essa dama é tão digna, tão virtuosa, tão nobre, tão perfeita que nos perguntamos como é que ela consegue respirar, comer, transpirar, assoar o nariz. Mas no fundo ela é como todos nós. Sofre da condição humana. Quando junta uma boa grana, seus solícitos advogados vão escondê-la nas Ilhas Cayman, nas Ilhas Virgens ou em qualquer outra ilha. Foi assim que a pobre senhora se tornou uma das mulheres mais ricas do mundo.

Depois chegou a vez das grandes empresas. Adivinhem quem pintou nos paraísos fiscais? Nike, Facebook, Apple, Uber, Whirpool, etc. Só a União Europeia é fraudada anualmente em cerca de € 60 bilhões. A França perde € 11 bilhões por ano. Os pobres deveriam contratar os serviços de um escritório de advocacia das Ilhas Cayman ou Jersey. Se manipulassem honestamente a lei, seus impostos, hoje de € 124,64 anuais, cairiam talvez para € 43,16.

Outra solução seria os Estados se modificarem. Mas aí surge o problema: as multinacionais, em nossas sociedades adaptadas para satisfazer os desejos desses gigantes, tornaram-se mais poderosas que os Estados encarregados de controlá-las. Elas têm seguradoras próprias, sistemas bancários próprios. Que fazer quando a lebre é mais poderosa que o caçador? Sem falar nos danos que as múltis podem causar aos Estados que as irritem. Com um clique, deixam sem emprego uma cidade inteira.

Para quem possui um jato privado, eis uma dica. Voe para a Ilha de Man. Chegando, aterrisse e dirija-se a uma casinha onde se encontram alguns funcionários. Diga: “Estou aqui para tratar de impostos. Eles responderão: “Tudo bem”. Com isso, você economiza milhões de euros, e sem complicações: é só chegar, esperar um pouco... e faturar uma bolada. O mundo é dos espertos./ TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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*É CORRESPONDENTE EM PARIS

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