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Bispos chilenos oferecem renúncia coletiva após divulgação de relatório sobre crimes sexuais

Documento evidencia acobertamento dos crimes, intimidação de investigadores e destruição de provas que comprovariam crimes de padres pedófilos

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Por Redação
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CIDADE DO VATICANO - Todos os bispos chilenos puseram seus cargos à disposição do papa Francisco, depois dos escândalos de abuso sexual cometidos por religiosos em seu país, anunciaram nesta sexta-feira, 18, em Roma, os porta-vozes da Conferência Episcopal do Chile, Fernando Ramos e Ignacio González. Em declaração à imprensa, os 34 bispos convocados pelo pontífice para prestar conta sobre os escândalos anunciaram que "todos" puseram suas "acusações nas mãos do Santo Padre para que livremente decida em relação a cada um". Agora, o líder religioso pode aceitar ou rejeitar as denúncias, ou ainda atrasar uma decisão.

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Em uma declaração lida pelos porta-vozes Fernando Ramos (foto) e Ignacio González, os 34 bispos puseram suas "acusações nas mãos do Santo Padre para que livremente decida em relação a cada um" Foto: AP Photo/Andrew Medichini

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O ato marca a primeira vez em toda a história que uma conferência nacional de bispos oferece renúncia coletiva. A questão revela a devastação que os abusos sexuais causaram à Igreja Católica no Chile. As demissões vieram após a divulgação dos detalhes de um relatório de 2,3 mil páginas produzido pelo Vaticano sobre os casos. Nas conclusões do papa sobre o documento, ele acusa os bispos de destruir provas dos crimes, pressionar os investigadores para minimizar as acusações de abuso e de cometer "graves negligências" na proteção das crianças contra padres pedófilos.

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Francisco afirma ainda que toda a hierarquia católica chilena é coletivamente responsável por "defeitos graves" no tratamento dos casos e que, por conta disso, a Igreja Católica sofreu as consequências. "Ninguém pode se eximir e colocar o problema sobre os ombros dos outros", disse o pontífice no documento, que foi divulgado pelo canal chileno T13 e confirmado como verdadeiro pelo Vaticano nesta sexta.

Em resposta, os bispos disseram que o conteúdo do documento é "absolutamente deplorável" e mostra um "abuso inaceitável de poder e consciência", assim como de abuso sexual. Eles pediram perdão às vítimas, ao papa e a todos os católicos, e também prometeram reparar os danos.

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Francisco convocou todos os bispos chilenos a Roma para uma conferência depois de receber o relatório, produzido por especialistas em crimes sexuais do Vaticano que foram ao Chile para investigar e entender o problema. O documento não foi divulgado em sua totalidade, mas o papa revelou suas principais conclusões sobre o documento e as entregou aos bispos durante a reunião.

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Entre os 34 bispos presentes na reunião estiveram vários dos acusados de terem acobertado durante décadas os abusos cometidos pelo padre Fernando Karadima, suspenso de forma vitalícia depois de ter sido declarado culpado em 2011 por abuso sexual de menores nos anos 1980 e 1990.

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É provável que o papa substitua pelo menos dez religiosos para abrir uma nova era na Igreja chilena. "Estamos no caminho, sabendo que esses dias de honesto diálogo foram um marco dentro de um processo de mudança profunda (...) por meio da qual queremos restabelecer a justiça e contribuir para a reparação do dano causado", escreveram os bispos.

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Fontes religiosas garantiram que o pontífice substituirá os religiosos Juan Barros Madrid, bispo de Osorno, Horacio Valenzuela, bispo de Talca, Tomislav Koljatic, bispo de Linares e do auxiliar de Santiago, Andrés Arteaga, gravemente doente. Os quatro se formaram à sombra do influente Karadima na igreja de El Bosque, em Santiago. 

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Comprovação

As descobertas do relatório são condenatórias. O papa afirmou que a apuração dos especialistas evidenciou "defeitos graves" na maneira como os casos de abuso foram tratados, com investigações superficiais ou até mesmo inexistentes, enquanto as alegações continham evidências óbvias de crimes. O resultado, disse Francisco, "criou um escândalo para os que denunciaram e para todos os que conheciam as supostas vítimas".

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Em alguns casos houve "negligência grave" na proteção das crianças contra padres pedófilos pelos bispos e superiores religiosos. Esta parte se refere aos muitos casos de abuso sexual que surgiram dentro das ordens religiosas chilenas nos últimos anos, envolvendo salesianos, franciscanos e a Comunidade dos Irmãos Maristas. Alguns dos padres e irmãos das ordens foram expulsos de suas congregações por conduta imoral, mas seus casos acabaram minimizando a "gravidade absoluta dos seus atos criminosos, atribuindo a eles mera fraqueza ou lapsos morais", segundo concluiu o pontífice.

No entanto, conforme diz o papa, essas mesmas pessoas "foram então acolhidas em outras dioceses, de uma maneira obviamente imprudente, e receberam trabalhos diocesanos ou paroquiais que lhes deram contato diário com menores". Este comportamento tem sido marca registrada da crise clerical de abusos sexuais em todo o mundo, com bispos e superiores religiosos transferindo abusadores para outras paróquias ou dioceses, em vez de denunciá-los à polícia ou de lançar investigações canônicas e removê-los da igreja.

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O papa acrescentou que estava "perplexo e envergonhado" pelas evidências do relatório de que houve pressão sobre as autoridades da igreja que investigavam os crimes sexuais, incluindo a destruição de documentos comprometedores. Para ele, tal comportamento mostrou "absoluta falta de respeito pelo processo canônico e, pior, práticas repreensíveis que devem ser evitadas no futuro".

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Fratura

Francisco ressaltou que o problema não se limitava a um grupo de pessoas, mas que poderia ser atribuído ao treinamento que os padres chilenos recebiam no seminário, evidenciando uma "fratura profunda" dentro da Igreja. A investigação do Vaticano, disse, continha "graves acusações contra alguns bispos e superiores que enviaram a essas instituições educacionais padres suspeitos de homossexualidade ativa".

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A avaliação sobre a qualidade dos seminários sugere que um possível próximo passo seja a uma investigação completa sobre as escolas chinelas de treinamento sacerdotal. O papa Bento XVI chegou a ordenar uma investigação sobre os seminários irlandeses, depois de convocar uma conferências com todos os bispos da Irlanda para uma reunião similar em 2010.

"Os problemas dentro da comunidade da igreja não podem ser resolvidos apenas lidando com casos individuais e reduzindo-os à remoção de pessoas, embora isso tenha que ser feito", acrescentou Francisco. "Mas não é suficiente, temos que ir além disso. Seria irresponsável da nossa parte não olhar profundamente as raízes e as estruturas que permitiram que esses eventos concretos ocorressem e se perpetuassem."

Durante anos, vítimas de abuso sexual criticaram a hierarquia chilena por desacreditar suas alegações, proteger os abusadores e transferi-los, em vez de denunciá-los, além de aplicar sentenças leves.

Mudança

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As conclusões do papa e o relatório, produzido pelo principal procurador sobre casos de abuso da Igreja Católica, o arcebispo Charles Scicluna, e seu assessor, monsenhor Jordi Bertomeu, dão completa credibilidade às vítimas. O papa também foi implicado no escândalo e, em suas conclusões, diz que todos os bispos chilenos eram culpados, mas apontou a si mesmo como o primeiro responsável.

Francisco inicialmente desprezou os relatos das vítimas e até mesmo de membros do seu conselho sobre abuso sexual. Em 2015, ele nomeou Juan Barros como bispo do Chile. Outros bispos se opuseram à nomeação, porque sabiam que o passado de Barros era problemático e chegaram a recomendar que ele e outros bispos renunciassem e tirassem um período sabático.

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Em 2015, o papa recebeu uma carta de Juan Carlos Cruz, um dos acusadores de Barros, detalhando seus erros. O papa, durante viagem ao Chile em janeiro deste ano, enfureceu os chilenos ao dizer que as acusações contra Barros eram "calúnias" e que tinha certeza de sua inocência.

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Depois do relatório de Scicluna-Bertomeu, o pontífice mudou seu posicionamento, culpando uma "falta de informação verdadeira e equilibrada" sobre o caso, e convidou os três principais denunciantes do caso ao Vaticano para pedir desculpas pessoalmente. / AFP e AP

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