''Blitz'' decidiu guerra no Sri Lanka

Para encerrar 25 anos de conflito, líder cingalês reforçou Exército, expulsou ONGs, encurralou rebeldes e não poupou civis

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Por Somini Sengupta
Atualização:

O presidente do Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, saboreou na terça-feira uma vitória que nenhum dos chefes de Estado cingaleses anteriores foi capaz de conquistar: ele declarou na TV que, após mais de 25 anos de tentativas, os soldados tinham derrotado uma das guerrilhas mais resistentes do mundo. Por trás do discurso da vitória havia um triunfo familiar histórico e sangrento, guiado por dois dos irmãos do presidente: Gotabaya, o influente secretário da Defesa, e Basil, o chamado conselheiro especial responsável pela estratégia política associada ao esforço de guerra. Juntos, os irmãos Rajapaksa desafiaram a pressão internacional pela redução das vítimas civis, sufocaram os dissidentes, bloquearam a cobertura independente da guerra e realizaram aquilo que muitos consideravam impossível: acabar com os tigres tâmeis, que chegaram a controlar grande parte do território cingalês. Com Gotabaya no comando da Defesa do país, o governo aumentou drasticamente os gastos militares. Além de adquirir novas armas, o efetivo das Forças Armadas quase dobrou, chegando a cerca de 160 mil homens. A sagacidade política de Basil e do presidente também foram fundamentais. Basil pediu armas à Índia. Quando os indianos recusaram o pedido, alegando simpatia doméstica pela causa tâmil, o Sri Lanka buscou auxílio da potência regional rival, o Paquistão. A estratégia militar também rendeu frutos. A partir de 2006, as forças do governo iniciaram intensas ofensivas aéreas, marítimas e terrestres contra os rebeldes no leste e norte do país, mantendo os ataques mesmo enquanto os dois lados estavam oficialmente envolvidos em negociações para um cessar-fogo. O governo adotou também algumas táticas de guerrilha empregadas pelos tigres tâmeis, usando pequenos grupos de soldados para se infiltrar na selva e assassinar líderes rebeldes. Ignorar a pressão do Ocidente não trouxe aos irmãos qualquer incômodo - isso os ajudou a consolidar sua base de apoio entre os cingaleses nacionalistas. "Este governo não demonstrou a mesma hesitação de seus predecessores", disse Nilan Fernando, diretor da Fundação Ásia, uma ONG local. "Os irmãos jogaram para vencer." E venceram. A vitória teve um custo elevado. A ONU afirma que 7 mil civis foram mortos desde janeiro e mais de 265 mil tâmeis que fugiram da zona de guerra estão agora presos em campos superlotados. Muitos civis estão desaparecidos e a organização Human Rights Watch disse, repetidas vezes, que o governo empregou artilharia pesada contra áreas civis, enquanto os rebeldes mantinham dezenas de milhares de pessoas como escudos humanos. Agora, alguns dos antigos aliados do Sri Lanka, incluindo aqueles que tinham banido os tigres tâmeis, estão pedindo a instalação de uma comissão internacional para investigar possíveis crimes de guerra. Na sua condução do conflito, o presidente Rajapaksa, advogado e parlamentar, eleito presidente em 2005 por uma pequena margem de votos, cultivou o apoio tácito da Índia. Apesar de Nova Délhi não fornecer armamento, o país se tornou menos ativo nas tentativas de pôr fim às ofensivas. O sucesso obtido pelo Sri Lanka na interceptação de navios de suprimentos para os tigres tâmeis é atribuído ao serviço secreto indiano. A presidente do Partido do Congresso - que governa a Índia - é Sonia Gandhi, cujo marido, o ex-premiê Rajiv Gandhi, foi assassinado por um homem-bomba dos tigres tâmeis. Nos anos 80, quando ativistas antigoverno de etnia cingalesa eram sequestrados e mortos, Rajapaksa era um dos que apelava ajuda das Nações Unidas. Entretanto, depois de eleito, ele pôs a proteção das liberdades civis em segundo plano e fez da derrota da rebelião sua principal prioridade. Os Rajapaksas trataram as divergências como apoio ao inimigo. Alguns jornalistas foram detidos e outros misteriosamente mortos, entre eles um editor de jornal, Lasantha Wickrematunge, que previu a própria morte em um ensaio aterrador no qual atribuiu a Rajapaksa a responsabilidade pelo crime. Gotabaya, secretário de Defesa e ex-administrador de sistemas de informática em Los Angeles, acusou as agências internacionais de ajuda humanitária que trabalhavam nas áreas controladas pelos tigres tâmeis de ajudar os insurgentes. No segundo semestre do ano passado, ele expulsou da região praticamente todos os funcionários de ONGs. Os erros de julgamento dos tigres tâmeis também contribuíram para sua derrota final. Eles ajudaram Rajapaksa a eleger-se quando incentivaram nas áreas de maioria tâmil um boicote às eleições de 2005. Quase imediatamente após a posse de Rajapaksa, os rebeldes provocaram o governo com mortíferos ataques contra soldados do Exército. Seus homens-bomba tentaram assassinar Gotabaya e seu chefe do Exército. Amigos da família dizem que os atentados reforçaram a determinação dos Rajapaksas de acabar com a guerra. Na terça feira, a TV cingalesa mostrou uma imagem que o governo buscou durante três décadas: o cadáver de um homem identificado pelo Exército como sendo do líder dos tigres tâmeis, Vellupillai Prabhakaran, vestido em uniforme de batalha, olhos escancarados e boca aberta, como se ele estivesse chocado. Não havia mais tâmeis na pátria que ele lutou tão apaixonadamente para criar. Restavam apenas colunas de fumaça e soldados.

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