Bogotá devolve terra tomada por Farc

Lei que prevê restituição de propriedades entra em vigor neste mês e estimula setor agrícola abandonado após décadas de conflito

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Por BUCARAMANGA e COLÔMBIA
Atualização:

Aos 78 anos, Rita Julia Montero é uma testemunha do conflito armado que há décadas intimida a população rural colombiana. "Éramos rendidos nas estradas e obrigados a abandonar as nossas terras se não apoiássemos a guerrilha. Se compararmos com os dias de hoje, vivemos num paraíso. Mas morar no campo ainda é duro". Acuado pela violência, o setor agrário da Colômbia aposta em uma nova lei que promete garantir a restituição de terras aos proprietários expulsos.

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A legislação, que entra em vigor em janeiro, prevê uma compensação financeira às vítimas da guerrilha, caso não seja possível a devolução das terras ocupadas irregularmente. Estima-se que 4 milhões de colombianos foram expulsos ou obrigados a vender suas propriedades por preços muito baixos sob a ameaça de grupos armados. O Estado promete devolver aos donos originais 2 milhões de hectares nos próximos anos.

Para retomar o que era seu, os cidadãos terão de comprovar que eram donos das terras com documentos: escrituras, registros públicos e, complementarmente, depoimentos de vizinhos. Quem perdeu as propriedades a partir de 1991 e os que venham a perdê-las até 2021 poderão procurar seus direitos. O governo promete identificar e prender quem tentar obter a posse do que nunca lhe pertenceu.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento da ONU (Pnud), 75% dos municípios colombianos são rurais. O resultado de décadas de conflito, porém, é a subutilização da terra fértil - apenas 22,7% são aproveitados.

A maioria dos camponeses expulsos migrou para as cidades e vive em condições precárias. "As organizações camponesas foram dizimadas. A maior parte das terras foi ocupada, vendida ilegalmente e corre risco de ser legalizada nas mãos de quem as tomou", alerta Jorge Castellanos, coordenador da organização não governamental colombiana Compromisso - Corporação para o Desenvolvimento do Oriente (colombiano). "Durante o conflito, o campo teve os processos de produção e comercialização afetados e (agora) precisa de políticas que desenvolvam a produtividade. O mais importante é a rearticulação entre o campo e as cidades."

Retomada econômica. Além de enfrentar a burocracia, quem foi expulso de sua terra também dependerá do governo para rearticular as atividades agrícolas e superar os altos índices de pobreza da população rural. Para os que resistiram nas terras apesar das ameaças dos guerrilheiros, o desafio é garantir o sustento depois de décadas de abandono.

No Departamento (Estado) de Santander, os camponeses encontraram em suas tradições uma fonte de renda. Por meio de cooperativas, tentam fortalecer a comercialização de sua produção com o apoio do programa Oportunidades Rurais, ligado ao governo.

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Rita é parte da diretoria de uma dessas entidades, a Corporación del Lienzo, que reúne 15 agricultores e mais de 60 mulheres que produzem algodão e artesanato, que é vendido em feiras da região.

Ela vive no pequeno município de Charalá, onde 45% dos mais de 10 mil habitantes vivem no campo. Viúva, trabalha desde a morte do marido lavando fios de algodão com uma das filhas. Rita ainda dá um conselho para os camponeses que enfrentam as mesmas dificuldades: "As pessoas com saúde, com inteligência, devem aprender uma arte que possa lhes servir depois como um trabalho".

Abandonada pelo marido com quatro filhos, a produtora rural Emperatriz Román descobriu no frango ecológico criado no quintal de sua casa um meio de ganhar melhor. Ela é uma das 30 integrantes da cooperativa Ammucale, de Lebrija, município onde mais da metade da população vive no campo.

Para Emperatriz, a grande dificuldade é lidar com o crescimento de sua microempresa, já que hoje a cooperativa tem clientes até em Bucaramanga, capital de Santander.

"Temos um sistema de produção muito simples, mas eficaz e sem agrotóxicos ou hormônios para os animais. Apesar da demanda, tenho de manter uma produção pequena, senão precisarei ampliar as estruturas e me adequar às regras para empresas maiores. Amo minha terra, e quero cuidar dela. Não vou deixá-la", afirma.

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