Bolívia prepara maratona de eleições

Referendos devem decidir texto final de Carta, revogação de mandatos e grau de autonomia de departamentos

PUBLICIDADE

Por Ruth Costas
Atualização:

Santa Cruz de La Sierra, Bolívia - Oposição e governo começavam a trabalhar ontem nos trâmites para a convocação de nada menos que quatro referendos decisivos para o futuro político da Bolívia. Nos departamentos opositores de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, as autoridades locais preparavam-se para iniciar o processo de coleta de assinaturas para pedir consultas populares sobre as autonomias regionais. Pela lei boliviana, são necessárias firmas de pelo menos 8% dos eleitores da região. Em La Paz, o Congresso analisa o projeto da nova Constituição entregue pela Assembléia Constituinte aos deputados na sexta-feira. Segundo o vice-presidente Álvaro Garcia Linera, nas próximas semanas o Legislativo deve convocar um referendo sobre um artigo que trata da concentração de terras. Os bolivianos terão de decidir qual será o limite máximo para uma propriedade no país: 5 mil hectares ou 10 mil. Para a oposição, a tentativa de impor o limite é uma agressão à propriedade privada. A convocação de uma terceira consulta sobre todo o texto da Constituição, elaborado por parlamentares governistas numa manobra política que excluiu os opositores, ocorrerá após uma decisão sobre esse artigo - o que deve levar mais de três meses. Segundo uma pesquisa divulgada ontem, 48% dos bolivianos consideram a Carta "ilegal", enquanto 35% acreditam que ela é "legal". O quarto referendo tratará da revogação dos mandatos do presidente Evo Morales e dos governadores dos departamentos. Proposto por Evo como um desafio aos governadores opositores, ele foi aprovado na Câmara dos Deputados no sábado e ontem começou a tramitar no Senado. "Nunca houve tantas consultas populares no país", diz o cientista político Carlos Cordero. "Isso em grande parte ocorre porque a Bolívia passa por um momento decisivo. Mas o excesso de polarização impede que as classes políticas dialoguem." O referendo seria a alternativa para romper o impasse. Além disso, a participação direta nas decisões do Estado é uma demanda da população boliviana, que tem no engajamento uma de suas características mais marcantes. Na Bolívia, ao menor sinal de polêmica, as organizações sociais, associações de bairro e entidades profissionais logo tratam de organizar passeatas, invasões, greves e bloqueios de estradas. "O engajamento em geral é saudável para uma democracia, mas esse tipo de reação tem sido paralisante no campo político e institucional, além de prejudicar o a economia boliviana", diz o cientista político Johnny Villaroel, da Universidade Maior de San Andrés. "Os referendos são uma solução saudável para esse problema porque transformam-se em alternativa à violência e outras medidas de força." Um exemplo foi o que ocorreu nos departamentos opositores, que algumas semanas atrás ameaçavam declararem-se autônomos unilateralmente em comícios populares. A decisão de levar o tema à consulta popular abafou ao menos temporariamente as tensões na região. Agora, a população dos quatro departamentos decidirá nas urnas pela adoção ou não dos estatutos autonômicos, que ampliam a independência desses departamentos do governo central em questões administrativas e tributárias. Após a coleta das assinaturas, os referendos precisarão ser aprovados pelo Congresso Nacional, no qual o governo tem maioria. "Se houver problemas (para aprovar os referendos no Congresso), pensaremos numa alternativa, como a convocação ser feita pelo governador", disse ao Estado Carlos Dabdoub, secretário de autonomias do Departamento de Santa Cruz. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), cada consulta tem o custo de US$ 7 milhões. VOTAÇÕES EM SÉRIE Autonomia: Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija querem submeter a referendo estatutos de autonomia apresentados no sábado. Consultas têm de ser aprovadas pelo Congresso, após envio de abaixo-assinado com pelo menos 8% dos eleitores inscritos em cada região Propriedade: População decidirá se latifúndio terá 5 mil ou 10 mil hectares. Tema vai a referendo antes de consulta sobre texto completo da nova Constituição. Depois de aprovado pelo Congresso, deve ocorrer em até 120 dias Constituição: Após inclusão de artigo sobre latifúndio, Carta terá de ser aprovada pelo Congresso para ser submetida à consulta popular - depois de mais 120 dias Cargos: Evo e governadores submeterão seus mandatos a referendo revogatório. Depois de aprovado na Câmara, projeto tramita agora no Senado

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.