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Bolívia vota Constituinte no domingo; entenda o que está em jogo

Votações paralelas para a formação da Assembléia Constituinte e sobre autonomia dos departamentos confundem não apenas os eleitores, mas também os juristas

Por Agencia Estado
Atualização:

Nem mesmo os bolivianos têm clareza sobre os dois processos eleitorais - separados, mas complementares - que o país promove no domingo. Os eleitores vão às urnas para dizer sim ou não à concessão de autonomia para os nove departamentos (Estados) que formam o país. E também elegerão 255 deputados para a Assembléia Constituinte, encarregada de redigir uma nova Carta capaz de reduzir a crônica tensão política da Bolívia, que teve cinco presidentes desde outubro de 2003. Autonomia é a palavra de ordem e velha aspiração dos líderes de Santa Cruz de la Sierra, a região mais desenvolvida do país. As últimas pesquisas indicam que quase 80% dos crucenhos devem votar pelo ?sim? no referendo sobre autonomia. Mas o grau e o alcance dessa autonomia só serão definidos pela nova Constituição. O governo do presidente Evo Morales tem adotado posições ambíguas sobre a concessão de autonomia para Santa Cruz. O Movimento ao Socialismo (MAS), de Morales, se diz a favor da concessão de alguma autonomia para os crucenhos, mas não nos termos propostos pelo Comitê Cívico Pró-Santa Cruz - que os governistas qualificam de "representantes da direita camba (como são designados os habitantes da planície do leste boliviano)". O principal ponto de discórdia está na arrecadação e distribuição dos impostos. Santa Cruz - onde se localizam as principais jazidas de gás natural, indústrias e campos da agroindústria - arrecada quase metade dos impostos do país, que é repassada ao governo central, em La Paz. Dessa receita, menos de um terço retorna ao departamento, por meio de pagamento de funcionários, obras e serviços. A discrepância entre o que se arrecada e o que se usufrui causa ressentimentos entre os cambas - descendentes de europeus. Um ressentimento que, invariavelmente, desemboca em racismo contra os collas (a população do Altiplano majoritariamente indígena). O sentimento geral dos crucenhos é o de que eles trabalham para que La Paz, com seu quase meio milhão de funcionários públicos, gaste. Movimentos de raiz eminentemente separatista, como o Nação Camba, cresceram depois que os seguidos bloqueios de estradas promovidos por líderes indígenas paralisaram sistematicamente as atividades econômicas do país a partir de 2003. E se aprofundaram com a eleição de Evo, em dezembro, e a nacionalização dos recursos de gás e petróleo, decretada em 1º de maio. O porta-voz do Comitê Pró-Santa Cruz, Daniel Castro, assegurou ao Estado que a proposta da entidade nada tem a ver com separatismo. "Queremos algo parecido com o que existe nos Estados do Brasil, por exemplo", afirma. "Nos outros departamentos, muita gente está pensando que serão necessários vistos em seu passaporte para vir a Santa Cruz, caso o ´sim´ vença?, diz Martín Obregón, professor de Ciências Políticas da Universidade Livre de Santa Cruz. "Todo o processo tanto do referendo quanto da Constituinte foi precipitado, mal esclarecido e mal conduzido. O referendo de autonomia deveria ser convocado pela próxima Constituição. O eleitor deveria saber exatamente que grau de independência teriam os departamentos." Embalado por uma popularidade que oscila entre 75% e 80%, Evo deve obter esmagadora maioria na Constituinte, o que poderia reduzir as pretensões dos autonomistas de Santa Cruz ao nível mínimo, ainda que o referendo obrigue a assembléia a redigir um capítulo sobre o tema. Há ainda dúvidas sobre a jurisdição do resultado do referendo. A atual Constituição não contempla consultas regionais. Por isso, alguns juristas interpretam que o debate sobre autonomia só irá à Assembléia Constituinte se o "sim" obtiver mais de 50% dos votos em todo o país. Para o Comitê Pró-Santa Cruz, a nova Constituição terá de estabelecer regras de autonomia para todos os departamentos onde o "sim" tiver maioria, independentemente do resultado nacional. PROPOSTA DE SANTA CRUZ Eleição Como ficaria: Os 9 departamentos do país elegeriam diretamente seu governador (prefeito) e os deputados de suas respectivas Assembléias Departamentais. Como é atualmente: Os departamentos elegeram diretamente seus governadores em dezembro, após um acordo político com o ex-presidente Eduardo Rodríguez. Antes, eles eram nomeados pelo presidente da república. Não existe legalmente a figura das Assembléias Departamentais. Arrecadação Como ficaria: Caberia aos departamentos arrecadar, fiscalizar e administrar os tributos de seu território. No caso de Santa Cruz, 52% dos impostos arrecadados ficariam no departamento, 33% seriam repassados ao governo central, 10% iriam para um fundo de compensação para departamentos mais pobres e 5% para um fundo universitário. Como é atualmente: O governo central arrecada e administra todos os impostos. Recursos naturais Como ficaria: O governo central manteria a propriedade dos recursos naturais, mas caberia aos departamentos regulamentar sua exploração. Como é atualmente: O governo central tem poder de decidir tudo sobre o tema. Administração Como ficaria: O orçamento departamental ficaria a cargo do Executivo e da Assembléia de cada departamento. Os departamentos ficariam encarregados de setores como saúde, educação, etc. Como é atualmente: O governo central controla o orçamento e destina recursos.

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