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Brasil, a piñata bolivariana

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Por MAC MARGOLIS
Atualização:

Em 2005, um golpe de estado derrubou o presidente do Equador, Lúcio Gutiérrez, provocando tumulto nas ruas. Acossado, o ex-mandatário refugiou-se na residência do embaixador brasileiro na capital equatoriana e pediu asilo político. O governo de facto do Equador queria colocá-lo na cadeia. No entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não titubeou. Mandou um avião da FAB buscá-lo.Brasília não entrou no mérito do caso, muito menos solidarizou-se com Gutiérrez, sob quem pesavam acusações de corrupção. "O asilo tem como objetivo não só proteger uma pessoa que por motivos políticos se sente perseguida, mas também contribui para a paz social daquele país", disse na ocasião o chanceler Celso Amorim. Não foi compadecimento. Era o que mandava a Convenção de Caracas, de 1954, um dos três acordos que trata da questão do asilo, direito consagrado nas Américas.O que o Brasil fará com o senador Roger Pinto? Na semana passada, o legislador boliviano, crítico visceral do presidente Evo Morales, chegou ao País depois de uma fuga cinematográfica. Ou tola, escolhe você. Na viagem de 22 horas enfrentou nevascas andinas e o bafo do Chapare. Esse último trecho é a zona cocaleira e reduto de Evo, onde impera a lei da droga. Lá, a eventual captura de um inimigo do porte de Pinto poderia significar sua morte. Passou por cinco barreiras policiais sem ser flagrado, o que provocou boatos de uma ação combinada.A presidente Dilma Rousseff se disse estarrecida. Oficialmente, deplorou a ação do encarregado de negócios da embaixada, Eduardo Saboia, que orquestrara a "perigosa" fuga do boliviano. A portas fechadas, ela teria se enfurecido com as declarações de Saboia, que comparou o confinamento do parlamentar com a prisão de Dilma pela ditadura militar. "A embaixada brasileira em La Paz é muito confortável", disse.Faltou consultar o boliviano. "Motivos políticos" e medo de "perseguição", nas palavras de Celso Amorim, havia. Até meados do ano passado, o senador não arredava pé de seu país, apesar dos 20 processos que pesavam sobre ele - todos eles iniciados por aliados governistas. No entanto, quando as ameaças legais converteram-se em ameaças de vida, ele bateu na porta da embaixada brasileira. Um dos pretendentes a algoz foi flagrado em telefonema grampeado. Outro teria desistido do crime e confessou seu plano de assassinar o senador em depoimento gravado.Foi com esses os argumentos que o boliviano calçou seu pedido de asilo. Brasília levou 11 dias para concedê-lo. Evo não gostou e negou-lhe salvo-conduto, rasgando a Convenção de Caracas, de que seu governo é signatário há 60 anos. O impasse durou 455 dias.Dos aposentos, equipados com cama, frigobar, mesinha e janela, o senador não podia se queixar. Contudo, cansou-se do melindre político e da paralisia diplomática que o deixaram no limbo, asilado legal, mas prisioneiro de facto, seu direito constituído em tratado internacional reduzido aos 20 metros quadrados da representação brasileira em La Paz.Dilma afirmou que a saída afoita teria atropelado a negociação em curso entre Brasília e La Paz, uma diplomacia que só ela viu. Houve quem enxergasse inabilidade e inércia por parte do Brasil. Para outros, cheirava a indulgência. Para não contrariar o pequeno aliado andino, o Brasil, o portento da América Latina, mais uma vez, prestou-se ao papel de piñata bolivariana.A fuga foi perigosa e, sem dúvida, quebrou a hierarquia diplomática. No entanto, também rompeu com o fazer de conta que pairava nos Andes. Já o limbo continua. O destino do parlamentar boliviano agora está na mão do Conselho Nacional para os Refugiados (Conare) e, em última instância, do próprio governo brasileiro.E por que não? Acabou bem para outro refugiado, o italiano Cesare Battisti, que fugiu da cadeia e ganhou arrego no Brasil, apesar da condenação por quatro homicídios pela Justiça italiana. O Supremo Tribunal Federal barrou sua extradição por razões de "soberania nacional". Resta saber se Roger Pinto tem a folha corrida correta.MAC MARGOLIS ÉCOLUNISTA DO ESTADO, CORRESPONDENTE DA REVISTA NEWSWEEK, EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM  

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