Brasil acerta com Líbia e erra com Síria

A conduta do governo Dilma em relação à Líbia na ONU e a decisão de reconhecer a oposição foram corretas; nossa ida a Damasco como queria o ditador sírio, não

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Por Luiz Felipe Lampreia
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ESPECIAL PARA O ESTADOA primavera árabe transformou-se em um verão quente e sangrento. Em quase todos os países, o sonho de criar aberturas ficou pelo caminho. A exceção é a Líbia, que hoje apresenta novas perspectivas diante da iminente queda de Muamar Kadafi. Façamos um breve balanço. No Egito, muitos voltaram à Praça Tahrir em busca das esperanças perdidas e os militares continuam firmes no comando. O ditador sírio, Bashar Assad - com toda sua educação britânica e seu ar civilizado -, está massacrando seu povo e não cogita de ir-se embora como o egípcio Hosni Mubarak e o tunisiano Zine El Abidine Ben Ali. No Bahrein, houve uma intervenção militar saudita para impedir que a maioria xiita tivesse êxito contra a monarquia sunita.O curso dos eventos vai produzindo uma região cada vez menos tolerante, menos próspera e mais instável. As chances de que a primavera árabe dê frutos democráticos parecem cada vez piores, infelizmente.O Brasil tem acompanhado esses eventos com prudência. No passado, nossa tradição diplomática foi por vezes atropelada, sobretudo no último governo, quando tomamos partido de regimes ditatoriais e nos envolvemos em campanhas eleitorais de países estrangeiros. Mas, na gestão do ministro Antonio Patriota, houve um retorno ao acerto - exceção feita ao caso da Síria.Reunido na noite de 22 de fevereiro sob a presidência da competente embaixadora brasileira Maria Luisa Viotti, o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou, por unanimidade, a violência de autoridades da Líbia contra manifestantes. A resolução era equilibrada e o Brasil a favoreceu. Posteriormente, em 17 de março, o conselho votou outra resolução - a qual permitiu, ainda que de forma oblíqua, o uso da força com base no capítulo 7 da Carta da ONU. Desta vez o Brasil se absteve, de acordo com sua posição clássica de não apoiar intervenções militares. Acertadamente, a meu ver. Mesmo que a decisão vedasse a ocupação e mencionasse "todas as medidas necessárias para proteger a população", o uso da força vinha cercado de ambiguidades. Foi, sobretudo, uma demonstração de valentia da França, Grã-Bretanha e Itália, cada qual com suas razões internas para assim proceder. Do mesmo modo, os EUA - que têm pouco interesse na Líbia - afastaram-se logo das operações. Na realidade, quem derrotou Kadafi foram os rebeldes líbios, não se sabe bem com que tipo de apoio externo. Após o reconhecimento do Conselho Nacional de Transição líbio pela Liga Árabe, o Brasil também deve tomar essa decisão. Não há como criticar a posição brasileira em todo o episódio da Líbia. O caso da Síria é distinto. Travam-se nesse país duas faces diferentes da mesma guerra. Na primeira, Assad usa todas as armas do Estado contra seu próprio povo, em atos de barbárie de escala raramente vista. A segunda é a confrontação indireta entre o Irã e a Arábia Saudita. Nenhuma das duas facetas da crise síria dá motivo a uma mediação ou participação brasileira com o Ibas (sigla integrada também por Índia e África do Sul) ou a qualquer título. Um ditador como Assad só é capaz de utilizar o Brasil para seus próprios fins de propaganda e justificação. Nunca para ouvir nossas exortações e apelos às soluções negociadas.É EX-CHANCELER DO BRASIL

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