BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro defendeu nesta terça-feira, 2, o “rápido retorno à normalidade democrática” em Mianmar. Líderes políticos do país do Sudeste Asiático foram presos no último domingo, quando militares deram um golpe de Estado e declararam estado de emergência por até um ano. Eles assumiram o controle do país um dia antes de parlamentares eleitos em novembro passado tomarem posse – os militares dizem que houve fraude nas eleições, mas não comprovaram.
Nota diplomática do Ministério das Relações Exteriores afirma, em tom moderado, que o governo “acompanha atentamente os desdobramentos da decretação do estado de emergência''. “O governo brasileiro acompanha atentamente os desdobramentos da decretação do estado de emergência em Mianmar. O Brasil tem a expectativa de um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do estado de direito”, afirmou o Itamaraty.
Em comunicado dirigido a brasileiros no país, o tom da diplomacia foi ainda mais ameno sobre a ruptura. A embaixada em Yangon disse que acompanha a “evolução dos acontecimentos”, sem se referir ao golpe ou à tomada do poder pelos militares.
Segundo o governo, a comunidade brasileira em Mianmar é “pequena e se encontra bem e em segurança”. A recomendação consular é para que brasileiros residentes fiquem em casa e evitem “aglomerações e deslocamentos desnecessários”.Os relatos vindos de Yangon dão conta de que o acesso às comunicações está sendo restabelecido aos poucos e que não houve prisão de opositores civis em massa.
A chancelaria brasileira trabalhou para buscar um tom equilibrado entre as diversas manifestações internacionais. A influência do Brasil é considerada reduzida na região. Segundo fontes a par do assunto, uma agressividade retórica poderia prejudicar interesses de aproximação política e econômica com países do bloco ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático). O Brasil adotou tom similar ao do bloco, ainda que não seja compartilhado.
A ASEAN, presidida atualmente por Brunei, apelou pelo respeito à democracia e pela estabilidade, pelo diálogo e clamou pelo “retorno à normalidade”. Mas não houve unidade entre os países do bloco, que têm diferentes sistemas de governo. Camboja e Tailândia, por exemplo, não se manifestaram sobre “assuntos internos” do vizinho. Indonésia e Malásia pediram que as “disputas eleitorais” sejam resolvidas de forma pacífica e legalmente prevista.
Os países da região mantêm relações com o Ocidente, mas também estão sob influência direta da China. Diferentes chefes de missões diplomáticas avaliaram que manifestações mais duras poderiam ser pouco construtivas e jogar Mianmar no colo da China. Pequim evitou confrontar o processo. Um porta-voz da disse que a China é um país vizinho amigável e acompanha os desdobramentos. A China disse esperar que “todos os lados resolvam suas diferenças políticas dentro da Constituição e da lei e mantenham a estabilidade política e social”.
O Brasil não se alinhou a potências ocidentais. Os Estados Unidos e o Reino Unido usaram retórica mais contundente para se referir ao golpe de Estado. O presidente Joe Biden disse na segunda-feira que a “tomada de poder” pelos militares, a prisão da líder Aung San Suu Kyi e de autoridades civis e a declaração de estado de emergência são um “ataque direto à transição democrática no país e ao estado de direito”.
Biden ameaçou retomar sanções econômicas e cobrou que a comunidade internacional se unisse para pressionar os militares a devolver o poder aos civis, a libertar ativistas e autoridades governamentais, a evitar violência e a restabelecer as comunicações.
O premiê britânico, Boris Johnson, fez coro: “Condeno o golpe e a prisão ilegal de civis, incluindo Aung San Suu Kyi, em Mianmar. O voto do povo deve ser respeitado e os líderes civis libertados”.
Suu Kyi era secretária-geral do partido Liga Nacional pela Democracia, ativista vencedora do prêmio Nobel da Paz em 1991 e uma das principais chefes políticas do país. Seu partido havia obtido ampla vitória na eleição parlamentar realizada no ano passado, contestada por militares.
Ela já havia sido presa no passado e impedida de concorrer à presidência por ter filhos estrangeiros – uma restrição prevista por lei. Em 2017, sofreu forte desgaste porque o governo de seu partido foi denunciado por perseguição étnica à minoria muçulmana rohingya.
Mianmar tornou-se independente em 1948 e desde então vive uma sucessão de governos controlados ou tutelados por juntas militares. A democracia começou a ser restabelecida em 2015, mas não é considerada plena. O sistema de governo previsto constitucionalmente prevê que militares ocupem três dos principais ministérios, como Defesa e Interior, e tenham 25% das vagas no parlamento.