02 de junho de 2012 | 15h38
SÃO PAULO - Para salvar a própria vida, o menino sírio Ali el-Sayed, de 11 anos, sujou as roupas com o sangue do irmão mais novo, enquanto a família dele era assassinada no massacre da cidade de Hula, no dia 25 de maio. Deitado no chão de casa, ele enganou os criminosos, fingindo-se de morto. Ali foi o único sobrevivente dos seis membros da família, que se somaram às 108 pessoas mortas no ataque - sendo 49 delas crianças.
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O massacre chocou a comunidade internacional e não demorou para começarem as reações: potências ocidentais expulsaram diplomatas sírios dos países, autoridades se pronunciaram sobre a barbaridade e o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU decidiu nesta sexta-feira, 1, abrir uma investigação do caso, liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro.
O coordenador da Faculdade de Relações Internacionais da FMU, Manuel Nabais da Furriela, considera importante a participação de um brasileiro nas investigações da crise na Síria. "Houve a escolha de uma personalidade destacada aqui no Brasil. Ele é uma pessoa experiente", referiu-se a Paulo Sérgio Pinheiro. "Isso demonstra a qualificação técnica do corpo diplomático e também como o Brasil está conseguindo maior prestígio internacional".
Apesar disso, o Brasil permaneceu firme na decisão de manter relações com a Síria, informou o Itamaraty. "Não pretendemos expulsar os diplomatas sírios. A ideia é manter os canais de diálogos abertos".
A atitude motivou reclamações de os Estados Unidos, quando o secretário-assistente do Departamento de Estado, Mike Hammer, assinalou que a união da comunidade internacional em torno de pressões econômicas contra o governo de Bashar Assad é a única maneira de acabar com a brutalidade e iniciar uma transição política na Síria. "Queríamos que o Brasil apoiasse esses esforços. Também tivemos, nos últimos dias, uma frustração com a Rússia, por exemplo, que continua apoiando o governo de Assad", afirmou o secretário-assistente, em entrevista coletiva, nesta sexta-feira, 1. "Um país do nível do Brasil pode ter bastante influência e pode fazer parte dessa pressão."
Mas a decisão brasileira é alinhada à posição de evitar o confronto direto nesses casos, de acordo com Furriela. O professor explicou que o país tem uma posição diplomática do diálogo até mesmo quando há diferença de ideologia, como com o Irã e agora com a Síria . "O Brasil acredita que por meio de negociação conseguiria resolver essas questões", disse. "Um embate direto com a Síria traz um desgaste. Então essas são posições que tradicionalmente o Brasil adota".
O Itamaraty ressaltou que a posição do país até agora é de apoiar o plano de paz de Kofi Annan. "O Brasil acha que o plano tem de ser aplicado para que a situação seja normalizada", comunicou.
Para Furriela, é importante que haja uma ponderação internacional na intervenção na Síria. "Se a intervenção for na intenção de derrubar o governo, isso pode ser desastroso", sugeriu. "Ainda é um governo com uma boa sustentação nacional, apesar do desgaste e de haver grupos opositores", justificou o professor.
Investigação
Para apurar o caso, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro contará inicialmente com a colaboração de 17 profissionais. Em entrevista ao estadão.com.br, Pinheiro disse que alguns deles estão na Síria e outros, em Genebra. "Pessoas podem ser contratadas, de outras especialidades", completou.
A presença dos observadores da ONU que fazem parte da missão de Kofi Annan no país facilita o início dos trabalhos, segundo o brasileiro. "Não é uma investigação que vai sair do zero. Há muitos fotos e muitos vídeos", explicou. "Do outro lado, há resultados da investigação por parte do governo. Acredito que tudo isso será um elemento inicial importante".
Depois de visitar o local, entrevistar pessoas, responsáveis e autoridades do governo sírio, Pinheiro apresentará o relatório ao Conselho de Direitos Humanos, que tomará decisões sobre o massacre de Hula.
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