O governo brasileiro teme que a ordem de prisão do presidente do Sudão, Omar Al Bashir, emitida na quarta-feira pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), reacenda conflitos internos potencialmente mais graves que a guerra no Darfur. Signatário e entusiasta do TPI, o Brasil acatará a decisão. Ou seja, em última instância, o País se compromete a prender Bashir, caso o presidente sudanês pise em território nacional. Mas, informalmente, tende a apoiar os líderes africanos e árabes que, em peso, contestaram o veredicto. Veja também: EUA e Europa devem ser julgados em Haia, diz Sudão Desertor sudanês diz que recebia ordens para estuprar meninas Especial: os conflitos no Sudão e a crise em DarfurBlog: Darfur, enfim, tem um réu. E agora, Lula?Perfil: Militares e fundamentalistas levaram Bashir ao poderTV Estadão: Google Earth mostra devastação no Sudão A decisão do TPI causou inquietação em Brasília. No Itamaraty, prevalece a avaliação de que o tribunal desconsiderou a complexidade do quadro político do Sudão e, ao determinar a prisão de Bashir, expôs o país ao risco de retomada de uma violenta guerra civil, de caráter étnico-religioso. O conflito entre o Norte, muçulmano, e os separatistas do Sul, de forte presença cristã, provocou a morte de 1,9 milhão de pessoas ao longo de duas décadas e está adormecido desde 2005, quando foi assinado o Acordo de Paz Abrangente (CPA, na sigla em inglês). Parte desse acerto interno em favor do cessar-fogo e da unidade nacional está atrelada à popularidade e à força política do coronel Bashir, que está no poder desde 1989, quando liderou um golpe de Estado. Uma de suas concessões aos rebeldes foi a incorporação de lideranças do Sul a seu governo - a pasta das Relações Exteriores é cadeira cativa dessa região desde então. "Mesmo com todas as atrocidades cometidas, a guerra do Darfur foi um conflito entre tribos nômades pastoris e sedentárias agrícolas. Todos eram islâmicos", explicou um especialista do governo. "Certamente, será menos grave que um novo conflito separatista entre o Sul e o Norte, que será inevitavelmente marcado por diferenças religiosas e étnicas e por interesses nas zonas petrolíferas do centro do país", completou. O governo brasileiro, por enquanto, não se moveu, na expectativa de que o quadro torne-se mais claro depois de uma esperada manifestação do Conselho de Segurança. Por pressão direta da Rússia e da China e a pedido de países árabes e africanos, o Conselho poderá interferir na decisão do TPI, como prevê o próprio estatuto do Tribunal. Mas a reação da União Africana e da Liga Árabe à decisão do TPI colocou o Brasil em uma situação política delicada. De um lado, o governo brasileiro sempre foi entusiasta do fortalecimento do TPI. De outro, não poderá se manter omisso às críticas dos países africanos e árabes, em função da prioridade conferida pela política exterior brasileira a essas regiões e do objetivo de alçar o Brasil ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), como membro permanente. A União Africana e a Liga Árabe, juntas, somam 65 votos dos 128 votos necessários na Assembleia-Geral para a aprovação de qualquer proposta de reforma do Conselho. As negociações sobre o tema estão em curso desde fevereiro na ONU.