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Brasil teve 60 militares judeus para combater o nazismo

A maioria estava na FEB, enviada pelo País para lutar na Itália

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Por Marcelo Godoy
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Moysés Chaon tinha um sonho: entrar para a Escola Militar do Realengo. Como era judeu, temia ser barrado. Procurou uma igreja no Engenho Novo e se batizou. Tudo para arrumar um papel que – pensava ele – lhe permitiria entrar na escola. Saiu aspirante em 1941. Era infante. Quando se abriu a seleção para a formação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Chaon decidiu que devia participar. Queria lutar contra o nazismo. E se tornou um dos maiores heróis da história da FEB, durante o ataque, tomada e a resistência em La Serra, ao lado do também tenente Apollo Miguel Rezk.

O intelectual judeu Boris Schnaiderman segura retrato seu, em 2012, feito quando era integrante da Força Expedicionária Brasileira, enviada à Itália na 2ª Guerra Foto: Evelson de Freitas/AE

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“Ele nunca renegou sua fé judaica”, afirmou o pesquisador Israel Blayberg, que se dedica a preservar a memória dos cerca de 60 militares judeus que combateram pelo Brasil na 2.ª Guerra Mundial. Depois da guerra, Chaon – que recebera a medalha Silver Star pela bravura em combate – chegara à patente de general. Seu irmão Alberto também fez a guerra, ambos no 1.º Regimento de Infantaria (1º RI). “Pelas regras, um dos dois poderia permanecer no Brasil, mas a mãe dos jovens impôs uma condição: ou iam os dois ou nenhum. Foram os dois”, conta Blayberg. A família de Chaon viera da Turquia para o Brasil. Assim como a de seu colega Rezk, um cristão maronita.

O Brasil enviou para lutar na Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e o 1º Grupo de Aviação de Caça. Eram mais de 25 mil homens que lutaram entre 1944 e 1945. A FEB teve 12 oficiais judeus, um dos quais chegou a marechal: Wanderley Levy Cardoso. Entre os judeus que se alistaram como oficiais temporários estava o tenente Salomão Malina, mais tarde secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja família viera da cidade industrial de Lodz, na Polônia. Também estava o capitão Samuel Kicis, avô da deputado federal Bia Kicis (PSL-DF). “Meu avô lutou pela Pátria para defender o Brasil. Mas ele sabia que corria um duplo risco se fosse capturado”, contou a deputada. Malina – já militante comunista – queria combater o nazismo. A FEB não fez distinções ideológicas. Nacionalistas e comunistas tinham então um inimigo comum: o nazismo.

O capitão Kicis lutou em Monte Castelo, uma das principais batalhas da FEB. Era reservado e não gostava de falar sobre a guerra. A um amigo contou certa vez que se ausentara por poucos minutos do ponto em que trabalhava como observador da artilharia. Quando retornou, soube que uma bomba nazista havia caído ali, matando um sargento. Voltou surdo de um ouvido da guerra, mas isso não impediu que seguisse carreira no Exército, atingindo a patente de general de divisão. Morreu em 1984. Sua neta – também filha de militar – é hoje uma expoente do bolsonarismo no Congresso.

O veterano da FEB, Jacob Gorender, segura exemplar do jornal O Cruzeiro do Sul em 2012, órgão oficial da FEB, para o qual ele escreveu artigos Foto: Evelson de Freitas/AE

Intelectuais. Havia entre os judeus da FEB intelectuais como o jornalista e historiador comunista Jacob Gorender (soldado do 1º RI), o artista plástico Carlos Scliar (1.º Grupo de Obuses) e o escritor e tradutor Boris Schnaiderman (2.º Grupo de Obuses). Eram quase todos da esquerda judaica, que foi combater Hitler por dois motivos: as simpatias pela União Soviética e o dever moral de se combater o nazismo. “Eu achava absolutamente fundamental lutar contra o nazifascismo”, dizia Schnaiderman, morto em 2016.

De acordo com Blayberg, o que caracteriza todos os judeus da FEB foi o fato de eles todos terem sido voluntários para a guerra. Esse foi o caso do dentista Israel Rosenthal, de 98 anos, cuja família era da Bessarábia (atual Moldávia), a exemplo dos Kicis. “Eu era oficial de infantaria. Mas chegando ao acampamento, com a falta de dentistas, fui requisitado para trabalhar na área de saúde. Fui voluntário e sabia das perseguições aos judeus na Europa, mas nunca imaginei os campos de concentração”, disse. Rosenthal tinha ciência, no entanto, que se fosse capturado não teria chance de sobreviver.

O dentista e veterano da Força Expedicionária Brasileira (FEB), o judeu Israel Rosenthal Foto: Wilton Junior/Estadão

Sua rotina era pesada – era responsável com outros três colegas pelo atendimento de 5,3 mil homens acampados em Stafolli, na região de Pisa, na Toscana. Ali ficava a tropa de reserva da FEB. Rosenthal era oficial do CPOR, da turma de 1943. De 115 homens da turma que se apresentaram como voluntários, 92 embarcaram, entre eles o economista Celso Furtado. “Éramos amigos.” Malina também era da turma de Rosenthal. “Antes de embarcar, ele era cliente do meu consultório. Nunca cobrei nada dele, que ele era de família pobre.” Dos 92 do CPOR, quatro ainda estão vivos.

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Quando voltou ao Brasil, Rosenthal se ligou à associação de veteranos da FEB, que presidiu por oito anos. Cerca de 1,9 mil brasileiros morreriam na guerra – quase 500 na Itália –, a maioria em naufrágios. Entre eles, o único judeu morto na guerra, o 2.º comissário da Martinha Mercante Maurício José Pinkusfeld. Estava no navio Aníbal Benévolo, torpedeado pelo submarino alemão U-507, em 16 de agosto de 1942, na costa do Nordeste, em episódio que levara o Brasil a declarar guerra à Alemanha. "Havia dez judeus na Marinha de Guerra e Mercante e três na Força Aérea", conta Blayberg.

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