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'Brasileiros tiveram papel central na reconstrução de Nova Orleans', diz pesquisadora

Cidade chegou a ter 10 mil brasileiros, em 2007; imigrantes influenciaram se integraram à comunidade local.

Por Alessandra Corrêa
Atualização:

Os milhares de brasileiros que chegaram a Nova Orleans a partir de setembro de 2005, atraídos pela oferta de trabalho na reconstrução da cidade arrasada pelo furacão Katrina, tiveram um papel fundamental nesse processo, diz a pesquisadora americana Annie Gibson. Segundo Gibson, enquanto ajudavam a reerguer a cidade, esses imigrantes acabaram tendo influência na transformação de Nova Orleans. "Os brasileiros tiveram um papel central na reconstrução de Nova Orleans", diz a pesquisadora, que acaba de defender uma tese de doutorado em estudos latino-americanos na Tulane University sobre a participação brasileira no pós-Katrina. Gibson cita diversos marcos da cidade que foram reerguidos pelos brasileiros, entre eles a própria Tulane University. Sua tese, porém, vai além da contribuição brasileira para a infra-estrutura da cidade e mostra como esses imigrantes se integraram à comunidade local. "Depois do furacão, os imigrantes brasileiros conseguiram criar uma nova forma híbrida de cultura", afirma. Mão-de-obra Antes do Katrina, a população brasileira em Nova Orleans era de poucas centenas de pessoas, a maioria profissionais qualificados que trabalhavam na indústria naval. O furacão chegou em 29 de agosto de 2005. Um dia depois, os diques de Nova Orleans, localizada às margens do Lago Pontchartrain e do rio Mississippi, se romperam e deixaram cerca de 80% da cidade embaixo d'água. Calcula-se que 70% das casas tenham sido destruídas, e milhares de outras danificadas. Mais de 1,5 mil pessoas morreram. "Depois do Katrina, houve um imenso apelo para trazer mão-de-obra a Nova Orleans. Os trabalhadores foram, inclusive, dispensados de apresentar documentos. A maioria estava no país ilegalmente", diz Gibson. Muitos brasileiros recém-chegados aos Estados Unidos, espalhados por locais como Boston, Atlanta ou cidades da Flórida, acabaram sendo atraídos para Nova Orleans. Mudança "Cheguei aos Estados Unidos em junho de 2005", diz Murilo Gomes Scherr Zouain, 32 anos, que conversou com a reportagem da BBC Brasil após um culto da igreja Assembleia de Deus em Nova Orleans, do qual participaram outros cerca de 15 brasileiros. Mineiro de Aimorés, Zouain foi primeiro para Massachusetts. "Eu tinha dois empregos lá, mas fui dispensado de um deles. Alguns amigos que estavam na Flórida me falaram que havia trabalho aqui em Nova Orleans, e eu vim", diz. Zouain chegou à cidade poucas semanas após a passagem do Katrina, e foi trabalhar na limpeza do prédio da Tulane University. "Morávamos na própria universidade, cerca de 150 brasileiros. Não tinha luz, só gerador", diz. Integração Assim como Zouain, muitos brasileiros chegaram a Nova Orleans convocados por amigos que já estavam na cidade. Outros foram recrutados por empresas em outros Estados, em busca de mão-de-obra para a reconstrução. Segundo Gibson, em 2007 havia cerca de 10 mil brasileiros em Nova Orleans. A pesquisadora afirma que esses imigrantes se integraram à vida na cidade. "Em geral, há menos relatos de discriminação contra brasileiros do que em relação a outros latinos. Muitos passam por moradores locais. Além disso, os americanos geralmente não sabem muito sobre o Brasil, o que leva a menos discriminação", diz. Segundo o Consulado Geral do Brasil em Houston, responsável pelo Estado da Louisiana, onde fica Nova Orleans, muitos dos brasileiros que chegaram à cidade após o Katrina estão ilegalmente nos Estados Unidos. Esse fato, porém, não impede que tenham grande visibilidade na cidade, diz Gibson. "Eles são mais visíveis nos círculos culturais que os outros latinos. Ao contrário dos outros, frequentam bares e restaurantes em que a clientela é americana", afirma a pesquisadora. "Enquanto trabalhavam na reconstrução da universidade, muitos brasileiros fizeram amigos americanos, outros namoraram meninas americanas. Há vários casamentos entre brasileiros e nativos de Nova Orleans", diz Gibson. Até o Mardi Gras, o tradicional carnaval de Nova Orleans, recebeu influência brasileira. "Hoje há um bloco chamado Mardi Folia, no estilo dos blocos do Carnaval brasileiro. Até mesmo os moradores locais começaram a aderir aos blocos", afirma a pesquisadora. Queda Nova Orleans tem hoje sete igrejas brasileiras, entre elas a Assembleia de Deus frequentada por Zouain. Há também dois mercados que vendem produtos brasileiros. No entanto, a população brasileira caiu bastante em relação a 2007, auge da reconstrução. Calcula-se que hoje os brasileiros em Nova Orleans sejam entre 3 mil e 4 mil. A recessão e o alto nível de desemprego, que atingiram com força essa parte dos Estados Unidos, tornaram mais difícil encontrar trabalho e acabaram fazendo com que muitos deixassem a cidade, ou mesmo o país. Há ainda outro fator, segundo Gibson. "Os imigrantes ilegais geralmente vêm para os Estados Unidos com o objetivo de trabalhar em torno de cinco anos, economizar, e voltar para o Brasil", afirma. "Cinco anos depois do Katrina, muitos dos que vieram para trabalhar na reconstrução já voltaram ao Brasil, ou pensam em ir em breve." É o caso de Zouain. Ele diz que só não voltou ainda porque quer economizar mais para abrir seu próprio negócio no Brasil, na área de pecuária. "Me sinto bem aqui, Nova Orleans me lembra o Brasil. Mas quero voltar", diz. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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