Brexit já muda vida de europeus que moram em Londres

Estrangeiros refazem planos diante de incerteza sobre ruptura com União Europeia

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Por Andrei Netto
Atualização:

LONDRES - Maël deixou Londres e retornou à França, Arnaud gostaria de fazê-lo e Maciej não acredita que seja necessário voltar à Polônia. Seis meses após o referendo que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia, os europeus que vivem em território britânico já sentem os impactos do Brexit.

Faltando três meses para o início das negociações para o divórcio, a permanência de imigrantes e trabalhadores expatriados em solo britânico é um fator de incerteza. Números do governo da Grã-Bretanha mostram que mais de 3 milhões de europeus compõem a população de 65 milhões de habitantes do país. 

Reino Unido decidiu deixar a União Europeia, mas negociações para efetivar saída ocorrerão neste ano Foto: Justin Tallis / AFP

São estrangeiros oriundos de ex-colônias britânicas, mas sobretudo europeus, como poloneses, italianos, franceses, alemães e romenos, atraídos pelo mercado de trabalho dinâmico e pela facilidade do Espaço Schengen, a área de livre circulação de pessoas da UE. O movimento é recíproco: mais de 1,2 milhão de britânicos vivem na Irlanda ou no continente.

Com o Brexit, de um momento para o outro me senti rejeitado

A balança migratória e a chegada de mais 180 mil europeus em 2015 – de um total de 327 mil novos estrangeiros residentes – foi o ponto central da campanha que deu vitória ao Brexit em junho. Movimentos populistas, ultraconservadores e de esquerda anti-UE se uniram e venceram por 51,9% dos votos, contra 48,1%. O resultado dividiu o país: enquanto 53,4% dos ingleses e 52,5% dos galeses votaram pela saída da UE, 62% dos escoceses e 55,8% dos norte-irlandeses votaram ela permanência.  Desde então, a turbulência política tem impacto cotidiano. Segundo o jornal The Independent, os casos de crimes de racismo cresceram 41% em seis meses. Poloneses, romenos e negros têm enfrentado mais discriminação. Maël Tsouza, fotógrafo de 38 anos, francês negro radicado em Londres desde 2006, decidiu partir, deixando para trás os endereços de West End e os clubes de Camden. “Em Londres, sentia que as pessoas tinham vontade de permanecer na UE, mas na periferia a campanha foi uma desgraça. Sentia um pouco de rejeição em relação aos imigrantes”, conta Tsouza, que hoje vive em Rennes, na França. “Com o Brexit, de um momento para o outro me senti rejeitado e isso me fez pensar se ainda me consideravam bem-vindo. Tudo se tornou desconhecido em termos de visto, de futuro profissional. Nem experts sabiam o que se passaria”, diz. Tsouza é uma exceção. A maior parte dos europeus com os quais o Estado conversou, prefere permanecer. Mas isso não significa que suas vidas sejam melhores. Em Londres, o mercado de trabalho para estrangeiros já se tornou mais limitado, pois grandes firmas estão contratando menos migrantes, sobretudo na área de finanças, por não saberem como será a absorção dessa mão de obra após o Brexit.  Residente em Londres desde 2003, com mulher britânica e filhos nascidos em Londres, o empresário francês Arnaud Marchal, que há sete anos fundou um site, Be a londoner (Seja um londrino, em tradução livre), também lamenta o Brexit. “Em Londres, nunca senti discriminação. Mas me coloco a questão quando falo francês, ou mesmo quando falo inglês com meu sotaque francês. Pergunto como seremos julgados”, admite. “No início, minha tensão era sobre retornar à França. Hoje, seis meses depois, fica um gosto ruim na boca. Procuro não pensar muito mais” diz. 

Não acredito que eles pedirão para partirmos de um dia para outro

Para Marchal, a decisão depende de cada um: homens e mulheres casados com britânicos, com vida profissional e social consolidadas, com filhos na escola, são mais suscetíveis a permanecer após o Brexit. Outros, diz ele, se questionam a respeito. O mal-estar de pessoas como Tsouza e Marchal é comum, mas tem pouco amparo na realidade. Um relatório da Comissão de Direitos Humanos (JCHR) do Parlamento britânico indica que deportações em massa não ocorrerão, por mais que partidos populistas que apoiaram o Brexit queiram.  Esse é o argumento de estrangeiros como Maciej Art, de 30 anos, diretor de uma universidade britânica. Nascido na Polônia, ele migrou para Londres há dez anos, de onde não pretende sair. Para ele, o Brexit é uma abstração. “Não creio que tenha havido grande impacto sobre as pessoas, apesar de alguma incerteza. Não acho que nada maior acontecerá e viveremos a vida como sempre”, acredita Art. “Se você vive aqui há alguns anos, creio que poderá manter seus direitos. Não acredito que eles pedirão para partirmos de um dia para outro.” No bairro de Hammersmith, o principal da comunidade polonesa em Londres, vários poloneses têm a mesma visão. Editora do site Polish Express, Ilona Korzeniowska, de 47 anos, há oito vivendo na capital britânica, acredita que o problema maior será para os recém-chegados. “O Brexit não mudou as decisões de muitos poloneses que vivem aqui”, diz Ilona. “Para a maioria, que começou a vida de imigrantes há muito tempo, deixar a UE não é uma questão tão grande quanto é para alguém que veio para a Grã-Bretanha há poucos meses.”

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