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Britânicos precisam de uma Constituição escrita

Por Timothy Garton Ash
Atualização:

Nós, britânicos, temos de garantir que este despertar da "nova política" não acabe como da última vez. Primeiro, tivemos a retórica visionária de uma renovação e um "poder para o povo", habilmente esboçada para ganhar uma eleição. E, depois, um rosto novo em Downing Street nº 10. Que felicidade estar vivo naquele 1º de maio de 1997, quando Tony Blair tornou-se premiê da Grã-Bretanha. Mas veio a longa e lenta decepção, à medida que os novos mestres se comportavam como os velhos, aproveitando-se de todos os poderes e privilégios de um Executivo todo-poderoso num Estado fortemente centralizado. É bom que os líderes políticos estejam hoje empenhados em oferecer propostas radicais para uma reforma do sistema político britânico. Para esta grande reforma ser real e duradoura, o país precisa conseguir que seus políticos assumam um compromisso. O que significa uma Constituição escrita. Na democracia parlamentar da Grã-Bretanha, o caminho para uma real revolução passa pelo Parlamento. Portanto, nós, eleitores, temos de confrontar uma nova geração de candidatos para o Parlamento, apresentando a eles um conjunto de demandas constitucionais, e rapidamente. Principalmente se os trabalhistas destituírem seu atual líder, Gordon Brown, após um desempenho medíocre nas eleições locais, e partirem para a eleição geral no fim do ano com um novo chefe, como Alan Johnson, essa campanha deve começar logo. Obviamente, as mudanças vão levar mais tempo. Esse é, provavelmente, um projeto para dois mandatos. Mas não é cedo para exigirmos compromissos. PROPOSTAS Aqui vai minha primeira tentativa de uma lista de demandas para os candidatos. Certamente deixei alguns temas de fora e outros devem ser aprimorados. REFORMA ELEITORAL - Precisamos de mais representantes que representem. Até onde consigo observar, a proposta mais realista nesse sentido partiu da comissão liderada pelo falecido Roy Jenkins, cujos conselhos este governo solicitou e depois ignorou. MANDATOS COM PRAZO FIXO - O senhor se compromete a apoiar Parlamentos cujo mandato tenha um prazo determinado? Para permitir que governos adotem reformas sérias, sugiro um mandato de cinco anos. Naturalmente, devem ser estabelecidas cláusulas para que o próprio Parlamento possa convocar eleições antecipadas, caso as atividades de governo fiquem paralisadas, ou em outras circunstâncias especificadas. E embora estejamos perto disso, por que não limitar a atuação do primeiro-ministro a um máximo de dois mandatos? Se essa cláusula é boa para a presidência dos Estados Unidos, deve ser boa também para nós. Basta lembrar os três mandatos de Margaret Thatcher e Tony Blair para ver o perigo. COMISSÕES PARLAMENTARES INDEPENDENTES E FORTES - Uma glória do sistema americano, nos últimos 20 anos nosso Parlamento avançou um pouco na criação dessas comissões. Suas audiências e relatórios estão entre os melhores controles que temos sobre nosso todo-poderoso Executivo. Para fortalecer seu papel, os membros deveriam ser eleitos independentemente e ter maiores poderes para intimar um parlamentar. PARLAMENTARES EM PERÍODO INTEGRAL - Acho que nossos parlamentares devem ser melhor pagos, como ocorre em outras democracias avançadas, recebendo uma remuneração que não lhes permita burlar as despesas. Em troca, devem encarar a função como se fosse em tempo integral, mantendo outras atividades o mínimo possível e desde que não entrem em conflito com sua vida parlamentar. Desse modo, poderemos ter novamente membros honrados no nosso Parlamento. REFORMA DA CÂMARA DOS LORDES - Da maneira que está composta hoje, nossa segunda Câmara é a mais absurda confusão constitucional - embora esses pares não eleitos estejam, nos últimos anos, entre os mais importantes guardiães das nossas liberdades. A Câmara dos Lordes é um contrassenso que regularmente fala com um grande bom senso. Não acho que devemos optar por uma Câmara em que a política partidária dos Comuns seria simplesmente reproduzida pelos Lordes. Não podemos ter senadores no estilo americano, pois não temos Estados no estilo americano. Uma ideia melhor, por favor! QUE NOS DEEM NOSSA PRIMEIRA EMENDA - Não podemos mais assumir como certa a liberdade de expressão e religião na Grã-Bretanha. Ela vem sendo corroída e precisa, hoje, de uma âncora constitucional explícita. ESTABELECER O CAMINHO PARA UMA CONSTITUIÇÃO ESCRITA - Claro que a atual Constituição britânica não é, na verdade, "não escrita" como sempre é sugerido. Na verdade, está inscrita numa centena de passagens e peças atadas com fita adesiva. Conseguir que sejam reunidas numa única obra, escrita de maneira lúcida e vigorosa, em que o implícito é tornado explícito, e as omissões e contradições sejam solucionadas por uma reforma, será um grande avanço para a Grã Bretanha. *Timothy Garton Ash é escritor

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