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Bush busca chance de atacar Al-Qaeda

Atual crise no Paquistão seria a melhor oportunidade para lançar ofensivas contra militantes nas áreas tribais

Por Mark Mazzetti e David E. Sanger
Atualização:

Na primeira análise do governo de George W. Bush sobre o que saiu errado nos anos que precederam os ataques de 11 de setembro de 2001, chegou-se rapidamente a uma conclusão simples: enquanto o governo Bill Clinton dormia, a Al-Qaeda se fortalecia no Afeganistão. Depois dos ataques às embaixadas americanas na África e ao destróier americano USS Cole, a Casa Branca de Clinton decidiu que invadir um Estado soberano para livrar-se de Osama bin Laden envolvia dificuldades demais. Por isso, ela optou por ataques pontuais, esperando que ações secretas e o disparo de um míssil de cruzeiro contra um campo de treinamento dessem conta do recado. Só depois que quase 3 mil americanos morreram os EUA invadiram o Afeganistão. Agora, como a recente divulgação da Estimativa de Inteligência Nacional deixa claro, a Casa Branca de Bush se vê num dilema parecido. A Al-Qaeda se reconstituiu nas áreas tribais do oeste selvagem do Paquistão. Ela está mais forte do que esteve em muitos anos e arquiteta novos ataques. Há uma chance, porém, de que os acontecimentos das últimas semanas no Paquistão tenham apresentado, enfim, a oportunidade para uma campanha séria contra radicais islâmicos no país, se já não for tarde demais. O rompimento de um cessar-fogo dos militantes da região tribal do Paquistão, combinado com a determinação que o presidente Pervez Musharraf mostrou no início do mês quando ordenou um ataque à Mesquita Vermelha em Islamabad, podem ter dado a Bush algo que seu antecessor não teve: um parceiro que pode ser persuadido a atacar um refúgio repleto de terroristas. Especialistas paquistaneses argumentam que, se Musharraf empreender uma campanha agressiva contra a Al-Qaeda e o Taleban, não será para agradar a Washington. Além disso, a proximidade das eleições do fim do ano no Paquistão, com Musharraf tentando se mostrar forte, pode ter sido o principal motivo do ataque. "Musharraf reconhece que tem agora uma oportunidade que poderá não existir no futuro, porque seu poder político pode diminuir", disse Daniel Markey, do Council on Foreign Relations, que já trabalhou para o setor responsável por assuntos paquistaneses no Departamento de Estado. Há uma semana, surgiu um desafio a esse poder quando a Suprema Corte do país reconfirmou no cargo seu presidente, Iftikhar Chaudhry, que havia sido suspenso por Musharraf. Chaudhry, agora o herói de um movimento contra o presidente paquistanês, terá de decidir se Musharraf pode permanecer na chefia do Exército enquanto tenta se reeleger à presidência. O governo americano é cativado pelo presidente paquistanês por ele ser um moderado secularista, o que não deve ser confundido com um libertário civil. John Negroponte, o subsecretário de Estado que até o fim do ano passado rastreava a reconstrução da Al-Qaeda na condição de diretor de Inteligência Nacional, encerrou uma viagem ao Paquistão um mês atrás convencido de que o governo Musharraf havia, enfim, recebido a mensagem sobre as áreas tribais no noroeste do país. "Descobri que um dos fatores realmente decisivos para a resposta do governo paquistanês à situação é o fato de que a violência se espalhou dessas áreas tribais para o que eles chamam de territórios estabelecidos", disse ele. Em apenas uma semana deste mês, observou, mais de cem soldados paquistaneses foram mortos, principalmente em ataques com bombas, e o Exército prometeu acabar com o que Musharraf chama de "talebanização" do país . Embora Washington se mostre oficialmente otimista, já recebeu promessas de Musharraf antes. O presidente paquistanês prometeu perseguir e acabar com o Taleban na fronteira com o Afeganistão, mas os líderes do grupo radical islâmico têm circulado sem problema entre as áreas tribais e as aldeias afegãs, enquanto tropas paquistanesas olham para o outro lado. Assim, quando os americanos ouvem promessas de Musharraf, primeiro se irritam e depois duvidam. Segundo um agente da CIA aposentado com experiência em Paquistão e Afeganistão, o Exército paquistanês é designado, treinado e equipado para combater a Índia na Caxemira e dissuadir Nova Délhi com armas nucleares. Isso requer um tipo de estratégia diferente da necessária nas áreas tribais, cujos líderes não se consideram parte do Paquistão. Um funcionário de alto escalão do governo Bush disse que, mesmo que Musharraf tenha boas intenções, "não está claro se tem capacidade", razão que levou os EUA a abastecê-lo com mais dinheiro e armas. E mesmo que falem publicamente em dar seu apoio aos esforços de Musharraf contra os radicais, funcionários do governo se vêem refazendo privadamente os mesmos debates da era Clinton sobre como desmantelar um reduto terrorista dentro de um país soberano. Foi nas montanhas ocidentais do Paquistão que a Al-Qaeda arquitetou alguns de seus planos mais mortíferos. Além dos ataques aos meios de transporte de Londres, em julho de 2005, o plano abortado de explodir vários aviões comerciais transatlânticos em agosto de 2006 também teria sido planejado por agentes da Al-Qaeda nas áreas tribais, segundo autoridades britânicas e americanas. Mas as opções que se apresentam para Bush são, no mínimo, tão indigestas quanto as que Clinton experimentou. Uma, é claro, seria levar adiante ações secretas no Paquistão para capturar ou matar membros da Al-Qaeda, e rezar para agentes da CIA ou das Forças Especiais americanas não serem apanhados. Outra seria usar ataques aéreos contra conhecidos redutos terroristas nas áreas tribais. Uma terceira incluiria uma grande ofensiva terrestre cruzando a fronteira do Afeganistão - enviando tropas para invadir aldeias na caça aos homens mais procurados do mundo. Essa última opção parece, para todos os propósitos, descartada. Enviar milhares de soldados americanos numa busca caverna a caverna no Waziristão do Norte é, na visão da maioria dos especialistas, o meio menos provável de desmantelar a base paquistanesa da Al-Qaeda. Além disso, a decisão de permitir uma invasão americana pela fronteira ocidental do Paquistão poderia condenar um governo que a Casa Branca considera sua melhor aposta. Quanto aos ataques aéreos unilaterais, oficiais do Exército e de inteligência disseram que as informações sobre o paradeiro dos principais terroristas não são precisas o bastante para justificar bombardeios que poderiam resultar em baixas civis significativas, e um ataque aéreo frustrado poderia fechar a porta para futuras operações americanas na região. A CIA obteve algum sucesso nos últimos anos matando importantes membros da Al-Qaeda com mísseis disparados de aviões por controle remoto - algo que os EUA oficialmente negam. Mas agentes da inteligência reconhecem que, após cada ataque, o grupo terrorista graduou outro de seus combatentes. Assim, o governo que colocou a prevenção militar como doutrina nacional após o 11/9 enfrenta agora uma realidade cheia de nuances: autoridades reconhecem que teriam grande dificuldade para montar um ataque completo contra o reduto da Al-Qaeda, a menos que os terroristas ataquem primeiro. Mas, questionados sobre como os EUA responderiam se a Al-Qaeda planejasse nas áreas tribais um ataque bem-sucedido ao território americano, chefes da inteligência foram diretos: "Nós entraríamos e a arrasaríamos."

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