Bush deixará pior legado desde a Grande Depressão

Duramente criticado, presidente reconhece alguns erros, mas insiste que história o inocentará

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Por Matt Spetalnick , Reuters e Washington
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Duas guerras inacabadas, a economia mergulhada numa recessão profunda, o déficit orçamentário prestes a atingir US$ 1 trilhão e a imagem dos EUA manchada no exterior. Desde que Herbert Hoover deixou para Franklin Roosevelt a Grande Depressão não se viu um presidente americano deixar a seu sucessor problemas tão amedrontadores quanto os que George W. Bush transmitirá a Barack Obama. Enquanto Bush e seus leais partidários insistem que a história enxergará seu legado com olhos menos críticos, historiadores já estão debatendo se ele será considerado um dos piores presidentes de todos os tempos, o que o colocaria na companhia de Hoover, Warren Harding e James Buchanan. Alguns dizem que é cedo demais para estabelecer um veredicto, mas muitos já se decidiram. "Será que alguém é capaz de duvidar que esta presidência foi absolutamente péssima?", disse Shirley Anne Warshaw, cientista política da Universidade Gettysburg. "O que falta definir é a posição que ele ocupará na lista de piores presidentes." Encerrando seus oito anos de mandato em meio à pior crise financeira dos últimos 80 anos, ele deixa o cargo com uma das menores taxas de aprovação entre os presidentes modernos, inferior a 30%. O amplo apoio que recebeu após os ataques de 11 de setembro de 2001 há muito se desvaneceu, dissipado pela impopular guerra no Iraque, pela resposta inepta ao desastre provocado pelo furacão Katrina e pelo derretimento de Wall Street. Nos Estados Unidos, o desemprego chegou a seu maior nível em 16 anos, os mercados hipotecários estão implodindo e as economias dos cidadãos, evaporando. O lado positivo da administração Bush foi um fato doméstico que não aconteceu: outro ataque em território americano. "Não fomos atacados nos últimos sete anos", disse a porta-voz da Casa Branca, Dana Perino. "E isso é importante." POLÍTICA EXTERNA No exterior, o legado de Bush será definido principalmente pelo Iraque, e ficará a cargo de Obama definir a estratégia de retirada e consertar os danos na credibilidade americana. Bush foi a Bagdá no mês passado na esperança de mostrar os ganhos obtidos na segurança local, mas, em vez disso, a viagem será lembrada pela imagem do presidente se esquivando dos sapatos arremessados por um jornalista enfurecido. O atual presidente deixa ainda outros assuntos inacabados. O impasse nuclear com o Irã pode ser um dos maiores desafios de Obama, testando sua promessa de conversar diretamente com Teerã em lugar da política de isolamento diplomático. No Afeganistão, país abandonado por Bush, segundo seus críticos, o Taleban está ressurgindo e Osama bin Laden ainda não foi capturado ou morto. Os esforços de Bush para promover um acordo de paz entre Israel e palestinos foram tímidos demais e a atual crise em Gaza é vista como epitáfio adequado. Obama prometeu mais engajamento nas questões do Oriente Médio, mas enfrentará grande desconfiança. Ao mesmo tempo em que terá de lidar com essa questão, Obama herdará de Bush o problema de o que fazer com os suspeitos de terrorismo mantidos em Guantánamo. O centro de detenção foi motivo de condenações por parte dos defensores dos direitos humanos. Obama prometeu fechar a instalação. Bush também foi alvo de protestos, principalmente por parte dos europeus, por resistir ao estabelecimento de metas nacionais para a redução da emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, uma posição que ampliou a imagem de arrogância americana com a qual Obama terá de conviver. Por outro lado, Bush foi elogiado por estabelecer laços mais fortes com a Índia, por induzir a China a assumir um papel mundial mais construtivo e por combater a aids na África. COROAÇÃO Mas é a crise financeira que explodiu após seis anos de governo o que pode ter coroado o legado de Bush. Sua administração recorreu a intervenções gigantescas, antes consideradas por ele um anátema. Conforme repercussões da crise se espalharam pelo mundo, aumentaram as críticas ao capitalismo descontrolado do estilo americano. Analistas dizem que o fanatismo de Bush pela ausência de regulação contribuiu para o derretimento econômico, apesar de concordarem que são muitos os culpados pela situação. Os republicanos já escutaram o que os eleitores têm a dizer. A vitória folgada de Obama foi vista como repúdio às políticas de Bush. "Sem Bush, o primeiro presidente negro americano muito provavelmente não teria sido eleito no atual momento", disse Stephen Wayne, cientista político da Universidade Georgetown. Atento ao tempo que se esgota, Bush passou as últimas semanas tentando lustrar seu legado e concedeu mais entrevistas de fim de mandato do que qualquer outro presidente. Durante esse processo, defendeu as decisões que tomou, mas também se mostrou mais reflexivo, admitindo alguns erros. Acima de tudo, insistiu que será inocentado, algum dia.

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