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Caçando internet nas ruas, alunos venezuelanos tentam manter as aulas em dia

Aprender online é desafio em país com precário serviço de internet e aparelhos eletrônicos inacessíveis para a maioria da população

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Por Redação
Atualização:

CARACAS - Jonathan Figueroa, 14 anos, se senta na rua para capturar com um velho tablet o sinal WiFi intermitente de um vizinho. Sem computador, esta é sua única opção para cumprir as tarefas que lhe são enviadas pelo WhatsApp desde que a pandemia de covid-19 atingiu a Venezuela.

Sem aulas presenciais desde março, cerca de 8,2 milhões de alunos do ensino fundamental e médio dependem de um precário serviço de internet e aparelhos eletrônicos inacessíveis à maioria da população, em um país onde 30 milhões de habitantes vivem na extrema pobreza.

Jhonatan Figueroa, de 14 anos, usa internet do vizinho para estudar em Caracas, na Venezuela Foto: Christian Hernandez/AFP

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“É complicado, porque às vezes eu não entendo nada”, diz Jonathan, estudante de uma escola pública, onde a interação com os professores se limita a compartilhar mensagens de voz, leituras e trabalhos de casa no WhatsApp.

Aulas de videoconferência são inviáveis ​​no centro educacional em que estuda, já que o custo de um smartphone pode representar meses e até anos de salários para famílias afogadas pela hiperinflação.

Quando o presidente Nicolás Maduro declarou quarentena em março, Jonathan, que divide com sua mãe um claustrofóbico quarto alugado em um bairro popular de Caracas, achou que as aulas a distância seriam como "férias", mas o passar dos meses o fez sentir "sobrecarregado".

“Não só faço mal o meu dever de casa, mas também perco tempo”, lamenta enquanto acaricia Chocolate, um gato que adotou durante a pandemia. De acordo com o site Speedtest, a Venezuela ficou em 169º lugar entre 174 países na velocidade de suas conexões de banda larga em agosto, com uma média de 6,15 megabits por segundo em comparação com 36,63 na vizinha Colômbia, classificada em 81.

Pais matriculam filhos para ano letivo 2020-2021 em Caracas Foto: Cristian Hernandez/AFP

Ao contrário de muitos de seus colegas, Jonathan tem um tablet usado que foi dado à sua mãe, Viviana Rodríguez, como pagamento por seu trabalho como empregada doméstica.

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Sustentar-se tem sido um "milagre", diz Viviana, uma sorridente mulher de 40 anos nascida em Barranquilla, na Colômbia). Ambos contraíram covid-19 em julho e apenas a solidariedade dos vizinhos que lhes trouxeram comida e água permitiu que passassem pelos momentos difíceis.

Segundo dados oficiais, questionados pela oposição e por organizações como a Human Rights Watch, até quinta-feira havia 85.469 casos do vírus na Venezuela, com 720 mortes.

Escapar das falhas de conexão com a internet e também dos apagões habituais que atingem os venezuelanos pode ser impossível, mesmo que se tenha o privilégio de uma boa situação econômica.

Em uma área de classe média de Caracas, os dois filhos da pediatra Luzmar Rodríguez e seu marido Francisco, cirurgião plástico, assistem às aulas por teleconferência organizadas pela escola particular onde estudam, mas a família teve que sair de carro para caçar um sinal.

Francisco Rodriguez, 15 anos, na entrada de sua casa em Caracas, na Venezuela Foto: Camille Rodriguez/AFP

Embora tenham computador, celular e serviços de diversos provedores de internet em casa, Luzmar diz que algo tão trivial como a chuva pode fazer "nada" funcionar.

O filho mais velho, Francisco Jr., teve que se conectar à aula inaugural no estacionamento de uma rede de farmácias. E nos dias de prova de Francisco Jr e Luciano, Luzmar não vai trabalhar, pois precisam andar de carro.

O ano letivo 2020-2021 começou em meio a protestos de professores exigindo salários dignos.

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Morelis Carruido, professor de história e geografia com 16 anos de experiência, estava farto. “Não vou assistir a aulas virtuais”, disse à Agência France Press.

Seu salário é de apenas R$ 2,50 por mês, o que não dá para comprar um quilo de carne, então ela deixou de viver da profissão: "Eu sei tecer, sei bordar, preparo doces, comida, tudo isso ajuda."

Mais de 70% da comunidade estudantil do centro público onde trabalha, com 900 alunos, não tem acesso à internet.

“Tem aluno que não tem nem gás para preparar comida e usar lenha (...), como é que ele consegue avançar na educação online se não tem nem um bom atendimento para as suas necessidades básicas?”, questiona. /AFP

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