Calor extremo ameaça os trabalhadores e a economia dos EUA

A cada ano, três milhões de americanos experimentam pelo menos uma semana de trabalho com temperaturas acima de 37,7°C, na qual o calor os coloca em risco

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Por Paula Ramon e Gerard Martinez/AFP
Atualização:

Irma Gómez trabalha nas plantações do Vale Central da Califórnia há quase uma década e nunca viveu um ano tão quente como este, quando um colega desmaiou enquanto colhia folhas e morreu. 

"É preocupante, pode acontecer com qualquer um de nós", diz Gómez, que durante o outono usa uma máscara para se proteger da fumaça dos incêndios, enquanto uma densa névoa ocre cobre o céu. 

Agricultor colhe uvas em 4 de outubro de 2021, na cidade de Lamont, no condado de Kern, Califórnia, onde o calor recorde gerou secas e incêndios florestais. Foto: Frederic J. BROWN / AFP

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As temperaturas crescentes estão ameaçando cada vez mais os trabalhadores nos Estados Unidos, pondo em perigo sua saúde e seu desempenho. E o fenômeno tem grandes consequências econômicas, de acordo com dois estudos recentes sobre o assunto. 

O país já perde anualmente cerca de US$ 100 bilhões devido ao declínio da produtividade relacionada ao calor, de acordo com um relatório do Centro de Resiliência da Fundação Adrienne Arsht-Rockefeller, um think tank com sede em Washington. 

Se nenhuma ação for tomada para conter o aquecimento global, as perdas atingirão US$ 200 bilhões até 2030 e US$ 500 bilhões até 2050, diz o estudo.

"Quando você é mais lento e precisa de intervalos para bebidas frias e sombra, você produz menos", resume Kathy Baughman McLeod, diretora do Centro de Resiliência.

O bolso dos trabalhadores também está sendo atingido pelas mudanças climáticas.

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"Em muitos setores, como a agricultura, os funcionários são pagos por hora ou por área", explica Kristina Dahl, co-autora de um estudo do Union of Concerned Scientists, uma ONG especializada em questões como o aquecimento global. "Se esses trabalhadores fazem pausas e não são compensados por isso, isso tem implicações para seu bem-estar econômico".

Gómez, 37 anos, pode senti-lo na pele: "Este ano, houve menos trabalho por causa do calor”, relata.

Incapaz de trabalhar oito horas por dia, ela recebeu US$1.700 por mês neste verão, US$ 700 a menos do que no mesmo período do ano passado. Para ela, a diferença é equivalente a um mês de aluguel.

Milhares de feridos 

Com um verão que registrou calor recorde em algumas regiões do país, as pausas no dia de trabalho se tornaram mais frequentes.

E a situação vai piorar, adverte o Union of Concerned Scientists .

A cada ano, três milhões de trabalhadores nos Estados Unidos experimentam pelo menos uma semana de trabalho com temperaturas acima de 37,7°C, na qual o calor os coloca em risco.

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O aumento das temperaturas está ameaçando cada vez mais os trabalhadores nos Estados Unidos, colocando em risco sua saúde e também seu desempenho. Foto: Frederic J. BROWN / AFP

Se os padrões climáticos atuais continuarem, até meados do século, cerca de 18,4 milhões de pessoas estarão trabalhando mais de uma semana em condições tão extremas, o que significa mais pausas para proteger a saúde.

"Todos, não importa o trabalho que tenham, vão sentir os efeitos dessa queda na produtividade", diz Dahl. “Essas pessoas plantam e colhem nossos alimentos, entregam nossas embalagens, mantêm nossos prédios, estradas e pontes".

Trabalhar com muito calor desacelera o movimento. Provoca fadiga, confusão, desmaios e, nos casos mais graves, um aumento da temperatura corporal que pode ser fatal.

"Estimamos que só na Califórnia, as altas temperaturas podem estar causando milhares de ferimentos no local de trabalho anualmente", adverte o economista Jisung Park, professor da Universidade da Califórnia.

Protegendo o trabalhador 

Os dois estudos concordam que a prioridade é reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa para limitar os aumentos de temperatura.

Mas, enquanto isso, eles defendem que se cuide dos trabalhadores. "Isto se resume a dar-lhes três coisas: água, sombra e descanso", diz Dahl.

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"O calor mata mais americanos do que qualquer outro fenômeno climático", diz Baughman McLeod.

Ambos os especialistas veem a necessidade de uma lei federal que preveja, além de medidas de proteção, pausas remuneradas aos trabalhadores.

"O objetivo é que eles não tenham que escolher entre sua saúde e seu salário", diz Dahl.

Em setembro, a Casa Branca anunciou que iria considerar regulamentos para proteger os trabalhadores, mas o processo leva tempo.

Califórnia, Minnesota e Washington são os únicos estados do país com regulamentações. Em dias muito quentes, as empresas são obrigadas a fornecer água e sombra para os trabalhadores. E em temperaturas extremas, eles devem parar completamente de trabalhar. 

No campo, uma alternativa a isto é que os trabalhadores possam colher à noite ou nas primeiras horas da manhã. Mas isto impõe outros desafios. 

Gómez, por exemplo, perde dias em que não consegue encontrar uma babá para sua filha mais nova nas primeiras horas da manhã.

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Agora, ela está aliviada que as temperaturas de verão ficaram para trás, mas teme pelo futuro: "É preocupante, não sabemos como será o próximo ano.

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