Camarões persegue quem fala inglês

Minoria anglófona luta para se separar da elite francófona e aumenta risco de conflito civil

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Por Siobhán O’Grady
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DSCHANG, CAMARÕES - O idioma representa uma fronteira que divide Camarões. Cerca de 80% do país fala francês. O restante, inglês. Durante décadas, francófonos e anglófonos viveram em harmonia. No entanto, nos últimos dois anos, a violência levou o país à beira da guerra civil. Centenas morreram, 500 mil estão refugiados ou foram presos.

Soldado camaronês diante de carro incendiado na aldeia de Buea, sudoeste de Camarões, onde se fala inglês Foto: REUTERS/Zohra Bensemra

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O governo afirma que separatistas armados, que falam inglês, querem criar um novo país chamado Ambazônia. Eles aterrorizam civis e atacam forças do governo, levando os militares a revidar. Os habitantes de fala inglesa, porém, dizem que são vítimas. Em geral, segundo eles, os soldados chegam de manhã e, em vez de procurar por combatentes, disparavam indiscriminadamente.

Testemunhas dizem que o uso da força leva os camaroneses moderados a apoiar os separatistas, o que intensifica a repressão do governo e aprofunda as divisões. “Eu não quero mais saber de Camarões”, disse Daniel, um civil que fugiu para Dschang, cidade de língua francesa na fronteira entre as regiões anglófona e francófona. “Quero lutar por um novo país.”

Segundo a ONU, há violência de ambos os lados. Pelo menos 400 civis morreram em 2017. O coronel Didier Badjeck, porta-voz dos militares, diz que 170 soldados haviam sido mortos até o ano passado. Entre os refugiados estão 30 mil camponeses que fugiram para a vizinha Nigéria.

'Reféns'

O governo de Camarões nega que esteja atacando civis e aldeias anglófonas. Issa Tchiroma Bakary, ex-ministro de Comunicações, disse que os militares estão defendendo civis “reféns” dos separatistas. Segundo ele, o Exército está queimando apenas campos secessionistas, não aldeias civis. Já os civis que fugiram da violência em áreas anglófonas contam uma história diferente e relatam ataques violentos do governo.

Tal como em outros países da África, a identidade bilíngue de Camarões foi moldada pelas potências coloniais. O nome do país deriva do português e o território já foi alemão, antes de ser dividido por França e Alemanha, após a 1.ª Guerra. Em 1960, os francófonos obtiveram a independência e os anglófonos se juntaram a eles no ano seguinte, criando um país bilíngue.

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Em Camarões se fala outros 200 idiomas locais, mas francês e inglês são as línguas oficiais, que tornam a comunicação possível. Os francófonos controlam o governo e formam uma elite. Parte dos anglófonos se sente marginalizada e acredita que a causa separatista se tornou o único caminho. 

Em abril, Amkemngu, um funcionário público da aldeia de Azi, sudoeste do país, acordou ao som de disparos de metralhadora. Tropas do governo buscavam separatistas armados. Ele fugiu para o topo de uma colina de onde viu soldados abrirem fogo contra uma idosa. Horas depois, Amkemngu desceu para enterrar o corpo. Agora, ele está disposto a combater e morrer por Ambazônia. “Não há como voltar atrás.”

Akole, de 45 anos, morador do vilarejo de Menji, no sudoeste do país, disse que o governo reage com violência quando percebe que alguém é da parte do país que fala inglês. “É como se você não merecesse estar vivo”, disse. De acordo com ele, um de seus sobrinhos foi morto a tiros pelos militares e dois de seus filhos desapareceram depois que soldados abriram fogo contra sua aldeia em abril. Em meio ao caos, os soldados incendiaram casas e lojas. O fato de ter perdido parentes em ataques militares fez com que Akole perdesse toda a confiança no governo e o empurrasse para os braços dos separatistas que, segundo ele, não atacam “pessoas inocentes”. “Os civis amam o modo como os ‘amba-boys’ estão se comportando com eles”, disse Akole, usando um apelido local para os secessionistas. Para muitos, como Akole, a repressão tem sido tão violenta que a única saída é lutar por Ambazônia. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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