Campanha eleitoral argentina traz onda de reestatização

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Mais de uma década depois que o ex-presidente Carlos Menem privatizou quase todas as empresas estatais argentinas - conhecidas popularmente como "las joyas de la abuela" (as jóias da vovó) - e quando faltam somente dois meses e meio para as decisivas eleições argentinas, diversos dos principais candidatos presidenciais estão pregando a reestatização dessas empresas ou de, pelo menos, realizar uma rigorosa revisão dos contratos das privatizadas. Ao longo dos últimos dias, os presidenciáveis propuseram a volta do Estado às áreas de ferrovias e na exploração de petróleo, gás e distribuição de energia elétrica. Depois de uma década afastado, o tom nacionalista está retornando ao palanque dos políticos argentinos. O governador de Santa Cruz e presidenciável Néstor Kirchner declarou-se a favor de uma eventual reestatização ou recriação de uma rede nacional de ferrovias. Kirchner, o presidenciável que desponta no topo das pesquisas, pertence ao partido do presidente Eduardo Duhalde, o Justicialista (Peronista), que, tudo indica, apresentará candidatos por sublegenda. Outro presidenciável peronista, o ex-presidente Adolfo Rodríguez Saá, que aparece em segundo lugar nas pesquisas, afirmou que se chegar ao poder criará uma empresa petrolífera estatal "nossa", que "explore, comercialize e exporte o petróleo". Além do "progressista" Kirchner e do "nacionalista" Rodríguez Saá, a centro-esquerdista deputada Elisa Carrió, candidata presidencial do Argentinos por uma República de Iguais (ARI), também defende a criação de uma estatal petrolífera. Fora da área das reestatizações, mas envolvida com uma forte participação estatal é a proposta do candidato e ex-presidente Adolfo Rodríguez Saá de levar a capital do país, de Buenos Aires para o interior. Inspirado no presidente Juscelino Kubistcheck, Rodríguez Saá pretende implementar um grande plano de obras públicas e construir uma nova capital, de preferência, em sua própria província, San Luis, que controla com mão de ferro. Com a proximidade das eleições, as declarações reestatizantes prometem continuar. Os candidatos mais populistas pretenderiam aproveitar a profunda decepção que os argentinos sentem com as privatizações. Uma pesquisa de meses atrás, da consultoria Hugo Haime e Associados, indicou que 65% dos argentinos estariam a favor da reestatização das empresas privatizadas. Segundo Hugo Haime, o panorama era diferente uma década atrás, quando as vendas das estatais tiveram grande respaldo da população. Mas este apoio vinha da crença de que as privatizações trariam bem-estar. "Mas, como não há bem-estar, é lógico que as pessoas desconfiem" das privatizadas. Motivos para a irritação dos argentinos com as privatizadas existem de sobra. Desde o início dos anos 90, tornaram-se públicos dezenas de casos de corrupção envolvendo as privatizações. Além disso, a falta de modernização dos equipamentos das empresas, irregularidades nas cobranças, além do recente aumento das tarifas, aumentaram a irritação dos consumidores argentinos em relação às privatizadas. O governo tentou imediatamente botar panos quentes na polêmica. O chefe do gabinete de ministros, Alfredo Atanasof, sustentou que uma eventual reestatização das ferrovias e das empresas petrolíferas "traria mais problemas do que soluções". No entanto, Atanasof, braço-direito do presidente Duhalde, admitiu que o governo está analisando a revisão das empresas de serviços privatizados: "A renegociação dos contratos das privatizadas está em andamento". A idéia de reestatização enfrenta a oposição do candidato e ex-presidente Carlos Menem, em cujo governo foram realizadas as privatizações. Seu candidato a vice, o ultraliberal Juan Carlos Romero, afirmou que os outros presidenciáveis "não sabem de nada" quando propõem reestatizações. Menem costuma aparecer em terceiro ou quarto lugar nas pesquisas. Outro opositor à idéia de reverter as privatizações é o ex-ministro da Economia, o ortodoxo Ricardo López Murphy, que em geral aparece na rabeira das pesquisas, mas com tendência persistente de crescimento. O ex-ministro e presidenciável declarou que uma eventual reestatização somente serviria "para fazer grandes negociatas e colocar marajás e cabides de emprego nos cargos". Segundo ele, "não dá para dedicar recursos que não existem para construir empresas que historicamente só provocaram perdas". Bancos A privatização parcial dos bancos estatais argentinos é uma das principais promessas que o governo argentino fez ao Fundo Monetário Internacional (FMI). No dia 28 deste mês, o governo começaria a licitação para a escolha de uma consultoria internacional que o assessorará na reforma do sistema bancário estatal. No entanto, o governo já enfrenta a oposição à medida por parte de dois dos três grandes bancos estatais, o Banco de la Província de Buenos Aires e o Banco Ciudad. Somente o Banco de la Nación Argentina declarou-se favorável à reforma. O plano de reforma exigido pelo Fundo implicaria a abertura do capital dos bancos estatais para o capital privado, além do fechamento de sucursais e redução do número de funcionários. Se o governo conseguir dar início ao processo de semiprivatização, o Banco Mundial forneceria US$ 100 milhões para implementar as reformas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.