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Canal de TV da direita radical faz sucesso na França a um ano da eleição

Emissora debate sobre criminalidade, Islã e imigração e dá voz a ultraconservadores

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Por Redação
Atualização:

PARIS - É a rede de notícias que afirma dizer aos telespectadores o que a grande mídia não mostra. É a rede de notícias que diz que luta pela liberdade de expressão está em perigo, mesmo tendo sido multada pelo órgão regulador do governo por incitar o ódio racial. É a CNews – que, em maio, pela primeira vez depois de quatro anos, se tornou a rede de notícias n.º 1 da França

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 CNews dá um megafone para políticos de extrema direita, oponentes da luta contra as mudanças climáticas e até defensores da desacreditada ideia de usar um medicamento contra a malária, a hidroxicloroquina, para curar a covid-19. Seu modelo é a Fox News – até nos debates polêmicos sobre temas culturais incendiários. 

Propriedade do bilionário francês Vincent Bolloré, ex-presidente do grupo de mídia Vivendi, a CNews vem cada vez mais pautando o debate nacional, especialmente em questões polêmicas, como criminalidade, imigração e o lugar do Islã na França, as quais devem influenciar as eleições presidenciais do ano que vem.

Marine Le Pen celebra vitória e reeleição para Parlamento Europeu Foto: Bertrand GUAY / AFP

A extraordinária influência da rede e seu papel contencioso na França ficaram ainda mais claros nesta semana, quando seu âncora mais popular foi obrigado a sair do ar por ser tido como provável candidato a presidente – e com boa chance de dominar a corrida eleitoral.

Num país onde a confiança na mídia é muito baixa, a CNews surgiu num momento de descontentamento: após os protestos dos coletes amarelos, em 2018, e a eleição de Donald Trump, nos EUA, que provocaram um exame de consciência entre os jornalistas. Mal compreendidos pelas organizações de notícias tradicionais, os protestos reforçaram a impressão de uma mídia fora de alcance, centrada em Paris, e abriram uma nova era de confronto, às vezes violento, entre jornalistas e pessoas nas ruas onde fazem suas reportagens.

“As pessoas estavam cansadas do politicamente correto e, na França, nos últimos 30, 40 anos, as notícias estavam nas mãos de jornais, revistas e redes de televisão que diziam a mesma coisa”, disse Serge Nedjar, presidente da CNews, explicando como seu canal se posicionou num país com quatro redes totalmente dedicadas às notícias.

Ao contrário de seus concorrentes, a CNews se concentrou em “análises e debates” de tópicos que Nedjar diz serem os mais importantes para os franceses, mas que foram ignorados ou insuficientemente cobertos pela mídia: “criminalidade, falta de segurança, imigração”. “Criamos essa rede deixando claro para nós mesmos que falamos sobre tudo, até mesmo os tópicos mais explosivos”, acrescentou.

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Nedjar disse que não conhecia a Fox News quando a CNews foi criada e descartou comparações. “Tem a palavra ‘news’, e tanto melhor se funcionar como a Fox News”, disse ele, referindo-se ao nome de sua rede. “A Fox News funciona muito bem por lá, pelo que ouvi dizer.”

Mas os críticos dizem que o problema não está na escolha dos tópicos da CNews e sim na maneira como a emissora os trata. Eles argumentam que sua ênfase na opinião, muitas vezes sem apoio de dados ou checagem de fatos, propaga preconceitos populares e aprofunda as divisões de uma sociedade polarizada.

“É uma maneira de pegar o pior da opinião pública – aquilo que você ouve no bar da esquina, mas não pode dizer nada, não tem espaço para dizer”, disse Alexis Lévrier, historiador da mídia na Universidade de Reims.

A CNews se valeu de uma fórmula conhecida para alimentar divisões raciais e religiosas, em resposta a um plano do presidente francês, Emmanuel Macron, de revitalizar Marselha, a segunda maior cidade da França, após décadas de imigração africana.

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Na CNews, uma apresentadora e seus convidados, entre eles um porta-voz do partido de extrema direita Frente Nacional, ficaram fazendo previsões sobre o fracasso do plano. Os convidados descreveram Marselha como um lugar sem lei, cheio de “enclaves”, que não parecia mais com a França, pois os habitantes eram pessoas de origem “não europeia”.

A principal personalidade da rede, Éric Zemmour, virou uma figura nacional e foi objeto de duas decisões do órgão regulador governamental. Ele não hesita em promover a teoria conspiratória nacionalista branca da suposta grande substituição da população estabelecida por recém-chegados da África. Essa teoria inspirou assassinatos cometidos por supremacistas brancos, do Texas à Nova Zelândia, e era evitada até por políticos de extrema direita como Marine Le Pen, líder da Frente Nacional.

“Você tem uma população que é francesa, branca, cristã, de cultura greco-romana, que está sendo substituída por uma população que é do Magreb, africana e sobretudo muçulmana”, disse Zemmour duas semanas atrás. Em duas decisões sobre comentários anteriores de Zemmour, o órgão regulador colocou a CNews sob notificação formal e, em março, a multou em € 200 mil por discurso de incitação ao ódio racial – a primeira vez que uma rede de notícias enfrentou tal sanção. 

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Desde junho, o órgão regulador – encarregado de garantir o equilíbrio político nas redes de transmissão – também advertiu duas vezes a CNews por não apresentar diversidade de pontos de vista ou por dar uma parcela injusta do tempo às ideias de extrema direita da Frente Nacional. Nedjar disse, na semana passada, que Zemmour estava exercendo sua liberdade de expressão e a rede pretendia recorrer das decisões/ NYT, TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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