Câncer põe fim a trajetória do 'último Kennedy'

Morte do senador Edward Kennedy, 77, foi descrita por Obama como 'um dos principais capítulos' da história americana.

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Por BBC Brasil
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Um tumor no cérebro encerrou nesta quarta-feira a vida e a carreira do senador Edward Kennedy, 77, o único Kennedy a entrar na vida pública e permanecer nela até a velhice. A morte "põe fim a um importante capítulo" da história americana, segundo o presidente americano, Barack Obama, que se disse "de coração partido" pela notícia. "Por cinco décadas, praticamente toda legislação importante no avanço dos direitos civis, saúde e bem-estar econômico do povo americano ficou marcado pelo seu nome e resultou de seus esforços", disse Obama. Como outros membros da família Kennedy, a vida do senador Ted Kennedy também foi marcada por glórias e tragédias. Para analistas, ele sintetizou a mistura de virtudes e vícios políticos que definiram a mais proeminente dinastia política dos Estados Unidos. O assassinato de seus dois irmãos John e Robert Kennedy - o primeiro em 1963, dois anos após assumir a presidência dos Estados Unidos, e o segundo em 1968, quando disputava a nomeação do partido Democrata - colocou sobre os ombros do caçula Edward a expectativa de um dia chegar ao posto mais alto da nação. Expectativas que ele nunca chegou a cumprir, suas ambições políticas reduzidas pelo escândalo da morte de uma ex-secretária em um acidente com o carro que ele dirigia em 1969. Origens Ted Kennedy nasceu em Boston, na costa leste americana, em 1932, o mais novo de uma rica família de origem irlandesa com um pé na política. Seu pai, Joseph P. Kennedy, foi embaixador americano na Grã-Bretanha antes da Segunda Guerra Mundial. Ted frequentou escolas privadas e foi admitido na prestigiada universidade de Harvard em 1950 - de onde foi expulso um ano depois por tentar burlar as regras durante uma prova de línguas. Foi readmitido e finalmente se graduou em Direito em 1956. Em 1960, quando o então senador John F. Kennedy foi eleito presidente dos Estados Unidos, Edward era demasiado jovem para se candidatar à cadeira do irmão pelo estado de Massachusetts. Uma brecha na Constituição permitiu que a família conseguisse suspender até 1962 a realização de uma nova eleição, possibilitando o primeiro mandato de Edward Kennedy na câmara baixa americana. A medida suscitou acusações de que o caçula dos Kennedy tivesse ganhado de bandeja a sua vaga. Mas as dúvidas sobre seu mérito próprio nesse quesito seriam dirimidas pelas sete reeleições consecutivas, que tornaram Edward Kennedy um dos três senadores com mais tempo de casa no Congresso americano. Tragédia Foi um dramático evento pessoal - condizente com o histórico de tragédias que marcaram a família Kennedy - que reduziu as ambições de Ted Kennedy em relação ao posto mais alto da política americana, no momento em que ele se tornara o Kennedy mais proeminente. Cerca de um ano após a morte de Robert Kennedy, em julho de 1969, o senador Ted estava em uma festa na ilha de Chappaquiddick com um grupo que incluía seis mulheres que haviam trabalhado na campanha de seu irmão. A determinada altura, Kennedy deixou a festa para supostamente levar a ex-secretária de seu irmão, Mary Jo Kopechene, para pegar o barco de volta para o continente. No meio do caminho, o carro bateu e caiu na água. Kennedy conseguiu escapar e nadar para a borda, e retornou ao seu hotel sem dar parte do acidente. Só no dia seguinte pescadores encontraram o carro submergido, com o corpo de Mary Jo Kopechene ainda dentro. No inquérito subsequente, houve evidências de que a mulher tivesse permanecido viva por muitas horas dentro de uma bolha de ar, e de que pudesse ter escapado tivesse o senador pedido ajuda a tempo. Kennedy assumiu a culpa por deixar a cena do crime, alegando que estava em choque. Foi condenado a dois meses de prisão condicional. Questionamentos mais sérios sobre a conduta de Ted Kennedy e a veracidade de sua versão nunca foram levados adiante. Presidência O escândalo de Chappaquiddick não foi suficiente para calar os simpatizantes de Ted Kennedy, que defenderam sua candidatura presidencial em 1972 e 1976 - mas ele afastou essa hipótese alegando questões de segurança pessoal. Foi apenas em 1980 que ele resolveu disputar a indicação Democrata contra o então presidente Jimmy Carter, cuja aprovação estava em queda devido ao estado da economia americana. Mas uma campanha má gerenciada e uma entrevista sem brilho na televisão encerraram as ambições do pré-candidato. Ele se recusou a admitir a derrota e gerou na convenção democrata daquele ano uma notória divisão partidária. A mal-sucedida investida presidencial fez Ted Kennedy voltar ao Senado como um defensor das causas liberais. Apesar do seu histórico católico, ele abraçou a causa feminista pelo direito ao aborto. Também compôs um grupo de senadores que defendeu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma ideia cujo marco teórico foi desenvolvido em caráter pioneiro no seu Estado natal, Massachusetts. Ted Kennedy defendeu os direitos dos imigrantes nos EUA e o controle sobre a posse de armas. Política externa Mas seu impacto na política externa americana foi menos frequente. Nas poucas vezes em que se pronunciou - e se fez ouvir - ele liderou os esforços dentro do Congresso americano para proibir a venda de armas para o regime de Augusto Pinochet no Chile e para impor sanções à África do Sul da era do Apartheid, denunciou a guerra do Vietnã e trabalhou pela paz na Irlanda do Norte. Em 2002, ele votou contra a guerra do Iraque - atitude que descreveu depois como "o meu melhor voto em 44 anos no Senado americano". Em 2006 a revista "Times" considerou-o como um dos "dez melhores senadores americanos" pelo que chamou de "histórico titânico de legislação, que afeta as vidas de praticamente todo homem, mulher e criança no país". Mais recentemente, Edward Kennedy foi uma das vozes mais influentes a apoiar a candidatura de Barack Obama à Presidência, afirmando que o atual presidente ofereceria ao país uma chance de "reconciliação racial". Para muitos observadores, se falhou em cumprir as expectativas políticas colocadas pela sua condição de membro de sua dinastia familiar, Edward Kennedy deixou em quase meio século de legislação um legado mais consistente e significativo que seus irmãos. Desde maio do ano passado, quando foi diagnosticado com um tumor cerebral maligno, o senador vinha lutando contra o câncer. Uma das manifestações dramáticas da sua luta se deu no início deste ano, durante o almoço de posse de Obama, quando ele teve uma convulsão e foi levado de maca para um hospital. 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