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Candidato ‘azarão’ no Equador traz disputa inédita na esquerda, diz professor

Para Arthur Murta, ambientalista e indígena rompe com tradições ao criticar o modelo de desenvolvimento econômico de Rafael Corrêa

Por Túlio Kruse
Atualização:

As eleições no Equador seguem indefinidas até a recontagem de mais de 13% dos votos, que têm o potencial de alterar a disputa do segundo turno. Para o professor Arthur Murta, do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), porém, os resultados já trouxeram uma surpresa: a projeção do ambientalista e líder indígena Yaku Pérez, até agora considerado um azarão.

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Até a noite desta segunda-feira, 8, Pérez estava empatado tecnicamente com o ex-banqueiro de centro-direita Guillermo Lasso. Para o professor, Pérez rompe com tradições dos grupos da esquerda equatoriana, pois critica o modelo de desenvolvimento econômico empregado nos anos de Rafael Corrêa e conseguiu votos de eleitores com bandeiras que vão além do combate à pobreza e da desigualdade.

O que a passagem para o segundo turno de Arauz, indicado pelo ex-presidente Rafael Correa, representa para o atual governo? Por que houve essa perda de protagonismo de Lenín Moreno?

Lenín Moreno sai derrotado dessas eleições, na verdade, ele veio se sustentando no poder no ano de 2020 muito possivelmente apenas por conta da pandemia. A resposta do Equador à pandemia foi muito ruim, mas o Equador entra na pandemia em 2019 saindo de uma gravíssima crise política. O Equador passou por enormes levantes sociais em outubro de 2019, o que desestabilizou enormemente o governo. Os níveis de aprovação dele já eram baixíssimos e o grupo que ele representa, os ideais de um modelo neoliberal, austero, de cortes do gasto público e menor investimento social, tudo isso foi derrotado nas eleições.

O candidato presidencial equatoriano Yaku Pérez participa de manifestação em Quito Foto: José Jácome/EFE

Houve 16 candidatos presidenciais, então havia ali uma diversidade muito grande, e o voto acabou sendo muito pulverizado. Mesmo Andrés Arauz, em primeiro lugar, teve um resultado menor do que se esperava. A campanha era de oposição total a Lenín Moreno, uma vez que Arauz representa esse grupo 'correísta'. Mais do que uma resposta da população de rancor e rompimento com Lenín Moreno, é uma resposta de rompimento com essas políticas de austeridade. 

Independentemente da segunda vaga no segundo turno, como a ascensão de Yuka Pérez pode se refletir no futuro da esquerda? Essa ascensão era esperada?

Um exemplo desse rompimento, justamente, é Yaku Pérez em segundo lugar. É muito esperado. Ele estava correndo por fora, ninguém acreditava que ele ia chegar no segundo turno, que já estava quase definido entre Arauz e Guillermo Lasso. Ainda está indefinido, mas ele segue em segundo lugar e com grandes chances de ir para o segundo turno. Ele representa uma esquerda muito diferente daquela que apoiou e segue apoiando Rafael Corrêa, que é uma ala progressista mais tradicional, digamos assim. Muito mais próxima de Luís Arce (presidente da Bolívia) e seu padrinho político, Evo Morales, do próprio Alberto Fernández na Argentina.

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Yaku Pérez é uma nova esquerda, que não apoia o modelo extrativista que as esquerdas latinoamericanas tiveram nessa primeira década dos anos 2000. Quando tivemos a chamada "onda rosa" na região, quando tivemos praticamente todos os países com governos progressistas no poder, as pautas e o modelo econômico eram baseados em extrativismo, aumento do gasto público, etc. Yaku Pérez traz uma esquerda muito preocupada com questões ambientais e de violência de gênero, que é algo muito grave no Equador.

É importante destacar que ele é a única candidatura dos três que a vice-presidente é mulher. Estamos enxergando em todo o mundo um movimento, talvez nas democracias ocidentais, de tentar construir candidaturas em que as mulheres estejam representadas politicamente. Isso também é um indicativo de como a candidatura de Pérez conseguiu atrair votos na esquerda que estão também preocupados com temas para além da pauta social. 

Como o senhor avalia o desempenho da direita nas eleições do Equador? Alguma surpresa?

No desempenho da direita, há um impasse. Por um lado, o Equador tem um grupo que apoia esse tipo de política. É o mesmo grupo que está ali desde os anos 90. Existe um aumento do conservadorismo no Equador, assim como na maior parte dos países da América Latina – grupos religiosos que têm ganhado força política e econômica. Guillermo Lasso representa esses grupos. Mais do que um candidato de direita, ele é um candidato muito conservador, com visões antiaborto, anti-LGBT. Lasso também vem de uma sequência de perdas, o que é importante ser destacado. Perdeu nas últimas duas eleições, de 2013 e 2017. Vem numa sequência em que 'bate na trave'. É difícil dizer se há surpresa, porque a última vez que a direita triunfou no Equador foi nos anos 90. Desde as sucessivas crises políticas que o Equador viveu na virada para os anos 2000 que a direita não consegue triunfar. De 2007 para cá temos presidentes eleitos com a pauta da esquerda. 

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Por que digo isso? Lenín Moreno se elegeu com um discurso de esquerda, não de direita. Tão logo iniciou o governo, rompe com Corrêa com acusações mútuas de traição, e muda completamente seu governo. Foi um governo de direita, mas não foi eleito com essa pauta. O próprio Guillermo Lasso esperava que fosse ter um apelo muito maior, mas não teve, talvez com a pandemia de covid-19.

Em outubro de 2019, o Equador viveu um levante social de grupos indígenas e pessoas preocupadas em discutir violência de gênero, emprego, saúde, a população indígena. E tivemos uma piora, por exemplo, na situação da saúde. Guayaquil, no Equador, foi uma das primeiras cidades latino-americanas a colapsar. 

A direita já chega com pouco apelo nesse momento. Todos os principais candidatos estavam falando sobre aumento do gasto público, investimento em pautas sociais, e Guillermo Lasso está falando de cortes de gastos e pautas conservadoras também. A surpresa que existe nos resultados é que Guillermo Lasso tinha certeza que estaria em segundo lugar, e era esperado mesmo que a disputa seria entre esquerda e direita. Agora muito possivelmente teremos uma disputa muito interessante por vir, se for esquerda-esquerda. Seria uma das primeiras disputas na região entre dois modelos diferentes de esquerda. 

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