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Caos em Wall Street implode plataformas de Obama e McCain

Vencedor de 4 de novembro entrará na Casa Branca algemado pela crise e com capacidade de ação limitada

Por Paulo Sotero
Atualização:

Antes mesmo de o caos instalar-se em Wall Street e jogar os EUA na mais grave crise econômica desde a Grande Depressão, alguns veteranos políticos americanos diziam, em tom de blague, que não entendiam por que alguém desejaria ser presidente do país. A complexidade da tarefa de governar os EUA do início da semana passada - um país país cada dia mais endividado, desprestigiado no mundo, dividido e paralisado internamente - aumentou geometricamente depois que o pânico tomou conta do mercado de capitais e forçou Washington a desencadear a maior intervenção do Estado na economia desde os anos 30. A exemplo de George W. Bush, os senadores Barack Obama e John McCain, que disputarão o direito de sucedê-lo em menos de seis semanas, não previram o cataclisma que se aproximava. Naturalmente, ambos reagiram procurando tirar o melhor proveito político imediato da crise. Trata-se, no entanto, de uma crise que eles próprios e seus assessores econômicos ainda tentam compreender e - isso eles sabem perfeitamente - limitará dramaticamente a capacidade de ação de quem receber do povo americano em 4 de novembro a temerária incumbência de governar o país e administrar a massa falida. Com as autoridades federais debruçadas neste fim de semana na elaboração dos detalhes de um projeto de lei de emergência para nacionalizar centenas de bilhões de dólares de ativos podres do sistema financeiro e regulamentar o setor, numa decisão que marca o início de uma mudança histórica do papel do Estado no capitalismo americano, Obama e McCain não deram nenhuma indicação de que suas plataformas eleitorais tornaram-se subitamente obsoletas e é improvável que o façam nas semanas de campanha que restam, até porque talvez ainda não se tenham dado conta disso. "Nenhum dos dois fez a conexão entre o vendaval em Wall Street e a mudança ocorrida no contrato social americano durante a última geração que expôs a classe média mais diretamente aos efeitos dessas tormentas", observou Ronald Brownstein, no National Journal, referindo-se à forte transferência da responsabilidade pelo manejo do risco financeiro - do governo e das empresas para os indivíduos e as famílias - que ocorreu com a desregulamentação da economia nos últimos 25 anos. O democrata, que em princípio deve ser mais beneficiado nas urnas pela crise do que seu rival republicano, assumiu uma posição cautelosa. A seu favor, ele pode honestamente argumentar que sempre defendeu o fortalecimento das instituições encarregadas de supervisionar o mercado e zelar para que o risco financeiro seja compartilhado. Reunido na sexta-feira, na Flórida, com assessores econômicos, Obama esperou pelo plano de intervenção anunciado na sexta-feira e afirmou que o apoiará no Congresso. McCain, um campeão da desregulamentação e do governo limitado, adotou um tom claramente mais populista. Em mais uma tentativa de surrupiar de seu rival o manto de candidato mudancista, disse na sexta-feira, no Arizona, que o Federal Reserve precisa parar de salvar instituições financeiras e retomar sua missão de "administrar a base monetária e a inflação". Seja porque ainda não comprenderam todas as ramificações de uma crise cuja duração e profundidade ainda não são conhecidas, seja por cálculo político e temor de anunciar aos americanos que a festa do endividamento desenfreado acabou e eles terão que reaprender a fazer sacrifícios, poupar e viver de acordo com seus meios, nas semanas de campanha que restam nenhum dos dois candidatos deverá arriscar-se a reconhecer diante dos eleitores a única realidade inescapável sobre a qual podem ter certeza: o vencedor do duelo entrará na Casa Branca em 20 de janeiro algemado pelas conseqüências do desastre e terá de levar a cabo um dramático encolhimento da agenda doméstica, com óbvios reflexos para a já diminuída capacidade de ação internacional dos EUA. Uma saída tentadora para os candiatos é buscar culpados pela crise. Aqui, também, Obama talvez leve alguma vantagem. O fato incontornável é que o país quebrou ao final de oito anos de uma administração republicana que recebeu a casa em razoável ordem de Bill Clinton, com uma dívida pública que encolhia e um saldo fiscal projetado de trilhões de dólares. Kevin Phillips, que previu a crise num livro lançado em abril (Bad Money: Reckless Finance, Failed Politics and the Global Crisis of American Capitalism), lembra, porém, que para sair da crise será necessário primeiro entender que ela é uma obra bipartidária. "A desregulamentação, que permitiu que a economia americana fosse seqüestrada pelo setor financeiro, foi iniciada por Ronald Reagan e aprofundada por Clinton, que em 1999 apoiou e assinou a revogação da Lei Glass Steagall, de 1933, que proibia bancos de possuir outras empresas financeiras", disse ele, sexta-feira.

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