Cargo tem mais peso político do que poder

Por iniciativa dos últimos presidentes, vice ganhou importância acima do previsto pela Constituição

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Por Luciana Alvarez
Atualização:

A polêmica em torno da escolha de Sarah Palin como vice na chapa de John McCain, o candidato republicano à Casa Branca, reflete a importância que o cargo de vice-presidente vem ganhando na política americana. "Nos últimos 30 anos, os vice-presidentes assumiram responsabilidades que extrapolam o descrito na Constituição. Sem dúvida, Dick Cheney é o vice mais poderoso que já tivemos", afirmou ao Estado, por telefone, William Gaston, pesquisador do Brookings Institute, em Washington. O modelo deixado por Cheney, considerado o principal conselheiro de Bush, que participa efetivamente dos assuntos de relevância nacional, serve de parâmetro para os futuros ocupantes do posto. Na história recente, além de Cheney, Bush pai e o democrata Al Gore (vice de Bill Clinton) mostraram-se políticos proeminentes no cargo, de tal forma que ambos concorreram à presidência. George W. H. Bush elegeu-se e governou de 1989 a 1993, mas Gore perdeu as eleições para George W. Bush, em 2000. O posto de vice ganhou destaque na campanha deste ano. O candidato democrata, Barack Obama, fez suspense antes de anunciar Joe Biden como companheiro de chapa. McCain tem agora o desafio de provar que acertou na escolha de Sarah Palin - mesmo após a revelação da gravidez de sua filha adolescente, a investigação de abuso de poder no Alasca e os questionamentos sobre sua inexperiência política. Como no Brasil, constitucionalmente o vice dos EUA tem o papel de substituir o presidente em caso de morte, afastamento ou impossibilidade para governar. "Dizemos que o vice-presidente não tem um cargo, mas sim uma função, uma atribuição sem poder de tomar decisões", explicou o professor José Augusto Albuquerque, da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo. "Mesmo quando chega a governar, o vice não tem mandato; o mandato é sempre da pessoa eleita como presidente." Além do papel de eventualmente substituir o dirigente do país, nos EUA o vice-presidente também recebe o cargo de presidente do Senado, mas só o exerce quando os senadores chegam a algum impasse, precisando de um voto de desempate. Mas a "simples" tarefa de estar disponível para dirigir o país parece ser razão suficiente para os americanos analisarem bem os candidatos a vice, especialmente no caso de McCain, que completou 72 anos. Na história americana, nove vice-presidentes assumiram o governo, entre eles Harry Truman, que substituiu Franklin Roosevelt e depois foi eleito presidente; Lyndon Johnson, que subiu à presidência após a morte de John Kennedy e também se elegeu ao posto principal; e Gerald Ford, substituto de Richard Nixon. Ford, entretanto, não foi eleito nem mesmo à vice-presidência. Obedecendo a uma regra polêmica da 25ª Emenda da Constituição, ele foi nomeado vice-presidente em 1973, depois que o vice de Nixon, Spiro Agnew, renunciou para evitar ser processado por corrupção. Meses depois, foi a vez de Nixon renunciar em conseqüência do escândalo de Watergate, abrindo a vaga para Ford. Na eleição seguinte, Gerald Ford candidatou-se e conquistou a presidência pelo voto. Mas a tendência de crescimento de poder dos ocupantes da vice-presidência pode se reverter no próximo mandato. "Não existe nenhuma estrutura formal que garanta que o próximo vice terá tanta importância como hoje", disse Gaston. Por via das dúvidas, o eleitor americano tenta se precaver.

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