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Carpe Diem e a tradição americana

Por É COLUNISTA
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Análise: David Brooks / NYTOs europeus que colonizaram a America deram às suas vidas uma forma de "estilingue". Eles recuavam para se lançar para a frente. Viveram deliberadamente em condições difíceis para seus descendentes poderem viver bem durante séculos. Os pioneiros que viajaram para o Oeste fizeram o mesmo. Como também cada geração de imigrantes, sacrificando o presente pelo futuro. Esse modo de vida produziu um dos clichês reais: que os EUA são uma nação do futuro, que os americanos organizam sua vida com base em ideias românticas do que ela é. Em 1775, Sam Adams previu que aquelas pequenas e rústicas colônias um dia formariam a mais poderosa nação do mundo. Em 1800, Noah Webster prognosticou que os EUA teria um dia 300 milhões de cidadãos e que um país tão grande deveria ter seu próprio dicionário. No seu romance Giants in the Earth, Ole Rolvaag narra a história de um fazendeiro pioneiro contando a um visitante o que é a sua terra. Ele descreve sua bela casa e os seus grandes prédios. O visitante confessa que não consegue vê-los. Isso porque ainda não foram erigidos, admitiu o fazendeiro. A mentalidade orientada para o futuro teve efeito prático. Por décadas, o governo investiu vigorosamente em projetos de longa duração, como estradas e canais. Hoje os americanos inverteram esse modo de pensar. Em vez de sacrificar o presente pelo bem do futuro, sacrificam o futuro em favor do presente. Os gastos federais são o exemplo mais óbvio. O governo federal é uma máquina que tira dinheiro dos futuros assalariados e gasta em assistência médica para aposentados. Os gastos com os benefícios sociais afetam os jovens de duas maneiras. Eles reduzem os programas de investimento do governo que fomentariam o crescimento futuro. E os jovens terão de restituir o dinheiro. Para cobrir as atuais obrigações, segundo o FMI, os jovens terão de pagar 35% a mais de impostos e receber 35% menos de benefícios. O governo não é o único que mostra sinais dessa mentalidade. As empresas adotaram esse padrão também. O mandato de um CEO é curto e seu principal incentivo é exibir lucros trimestrais e não desenvolver uma empresa no longo prazo. Os bancos podem fazer empréstimos de duas maneiras. Podem emprestar para financiar investimentos ou para financiar compras de imóveis e outros tipos de consumo. Em 1982, os bancos emprestavam US$ 0,80 para investimentos para cada dólar que ia para o consumo. Em 2011, eles emprestaram só US$ 0,30 para investimentos por dólar destinado ao consumo. Como Robert D. Atkinson e Stephen J. Ezell observam em seu livro Innovation Economics, as empresas americanas também não estão aplicando muito em pesquisa e desenvolvimento. Entre 1999 e 2006, por exemplo, as empresas alemãs aumentaram em 11% as despesas com pesquisa e desenvolvimento. As holandesas 28%, e as sul-coreanas 58%. No mesmo período os gastos dos EUA nesse campo foram de uns ridículos 3%. As empresas cada vez mais precisam gastar seu dinheiro com os aposentados e não aplicá-lo no crescimento futuro. Na semana passada, a Ford anunciou um gasto de US$ 5 bilhões com seu fundo de pensão. Um montante quase igual ao dos investimentos da montadora em fábricas, equipamentos e inovação. Por que os americanos perderam sua devoção pelo futuro? Parte da resposta deve ser cultural. A Grande Depressão e a 2.ª Guerra obrigaram os americanos a viver 16 anos diretos de escassez. Nos anos posteriores à guerra, as pessoas decidiram que estavam fartas. O que um historiador chamou de "renúncia da renúncia". Hoje há uma geração com essa mentalidade do consumo. Sente-se menos que a vida é uma parceria entre os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. O debate político, contudo, não leva em conta essa mudança de mentalidade. Republicanos e democratas estão tão ocupados discutindo os méritos do governo frente aos das empresas que estão cegos para o problema que atinge ambos. Seria uma maravilha se no discurso de Obama as coisas fossem reestruturadas como presente versus futuro. Se o presidente propusesse uma agenda para o futuro, ele dobraria os gastos no Instituto Nacional de Saúde. Cortaria as alíquotas de impostos das empresas, adicionando um imposto progressivo sobre o consumo. Tiraria recursos da Previdência Social. Reduziria os benefícios do Medicare e usaria o dinheiro para ressuscitar as universidades federais e resgatar a dívida. Os americanos apoiariam este programa? Talvez. Eles se descuidaram do futuro, mas aposto que ainda estão apaixonados por ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARINO

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