Cartéis do tráfico levam México à beira do colapso

Número de homicídios supera o do Iraque; para militares dos EUA, ?Estado fraco? tem de ser monitorado

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Por Ruth Costas
Atualização:

Dentro e fora de seu país, o presidente mexicano, Felipe Calderón, tem sido obrigado a responder a uma pergunta embaraçosa nas últimas semanas: afinal, o México vai conseguir acabar com o narcotráfico antes que o narcotráfico acabe com o México? A dúvida já havia sido levantada por especialistas e centros de estudos na área de segurança, mas ganhou repercussão ao ser incluída num relatório do Comando do Estado-Maior dos EUA, que recomenda que o país vizinho seja monitorado junto com o Paquistão como um "Estado fraco e à beira do colapso". Entre os argumentos que a reforçam estão o acentuado aumento da violência no país e a prisão recente de Noe Ramírez, o czar antidrogas mexicano. Ramírez é acusado de receber US$ 450 mil do Cartel de Sinaloa, que, segundo as denúncias, também teria conseguido se infiltrar na promotoria do país e na rede local da Interpol. "O relatório americano exagerou um pouco no que diz respeito ao risco de colapso institucional porque o governo ainda tem controle sobre o território. Mas essas denúncias, se comprovadas, seriam um sinal de que os cartéis já estão conseguindo se infiltrar no Estado mexicano - o que é muito grave", disse ao Estado José María Ramos, especialista em segurança do Colégio da Fronteira Norte, em Tijuana. No último ano, o número de mortos na guerra do tráfico no México saltou de 2.700 para quase 5.400. Num único dia, em dezembro, morreram 58 pessoas em acertos de contas entre traficantes e conflitos com a polícia. No Iraque, a média diária de mortes é de 29. É verdade que as ações ainda estão concentradas em algumas regiões - no total, o índice de homicídios mexicano não chega a metade do brasileiro. O que preocupa no México é que, enquanto na maior parte da América Latina as cifras dos assassinatos estão relativamente estáveis, lá sobem ano a ano. Além disso, as ações dos cartéis impressionam por sua audácia e crueldade. Decapitações, torturas e mutilações são frequentes. No mês passado, um capanga confessou ter dissolvido em ácido o corpo de 300 pessoas, cuja morte foi encomendada pelo chefão da droga Teodoro Simental. Em cidades mais violentas, como Tijuana, Ciudad Juárez ou Nuevo Laredo, os traficantes não raro deixam as cabeças das vítimas em lugares públicos - um lembrete macabro de que eles dominam a área. "Mutilar os corpos começou como uma forma de os bandidos atemorizarem seus inimigos", diz Martín Gabriel Barrón, pesquisador do Instituto Nacional de Ciências Penais, na Cidade do México. "Agora, estamos começando a observar em alguns pistoleiros uma patologia, na qual eles sentem prazer em descobrir formas criativas de matar e destroçar corpos." EFEITO COLATERAL O aumento da violência, dizem as autoridades, é o efeito colateral de um ambicioso plano de combate às drogas que o governo mexicano pôs em marcha há quase dois anos, enviando 30 mil soldados e policiais para nove Estados problemáticos, como Michoacán, Baja Califórnia e o chamado "triângulo dourado", que inclui Sinaloa, Durango e Chihuahua. Depois da morte ou prisão de alguns criminosos, os líderes e grupos remanescentes teriam aberto uma guerra em duas frentes: a primeira para impedir as forças de segurança oficiais de continuarem avançando e a segunda para disputar os espaços de negócio recém-desocupados com grupos rivais. Analistas, porém, veem na criminalidade desenfreada um alerta de que a estratégia de Calderón precisa de ajustes. "Tanto as iniciativas do governo mexicano quanto o reforço recebido dos EUA com o chamado Plano Mérida têm se concentrado no uso da força militar, mas isso não é suficiente", diz Ramos. "São necessários projetos sociais que impeçam os jovens de se juntarem aos cartéis e mais empenho contra a corrupção." Até Calderón já admitiu, após uma avaliação de suas forças de segurança, que 50% dos policiais mexicanos são "não recomendáveis". Para complicar, se já parecia difícil vencer essa guerra com as contas do Estado em dia e a economia a todo vapor, imagine com a dificuldades trazidas pela crise financeira. Como os EUA são o destino de 80% de suas exportações, o México é um dos países latino-americanos mais afetados pelas turbulências no mercado americano. Segundo o Banco Central mexicano, a economia deve retrair de 0,8% a 1,8% este ano. Em 2008, as remessas dos emigrantes já tiveram uma queda de US$ 1 bilhão - a primeira dos 13 anos em que esses envios de dinheiro vêm sendo registrados. "Quanto maiores os índices de desemprego, maior o número de jovens que veem no tráfico uma alternativa, o que deve agravar a situação em algumas regiões", diz Erubiel Tirado, professor da Universidade Ibero-Americana. "Além disso, é provável que, com o aumento da violência e as demissões, a popularidade de Calderón continue caindo e falte a ele apoio para continuar com suas políticas repressivas atuais." Eleito em 2006 com apenas 35,8% dos votos, o presidente mexicano conseguiu ganhar a simpatia da população - e subir quase 30 pontos nas pesquisas - ao fazer da questão da segurança sua prioridade. A violenta resposta dos cartéis, porém, recentemente fez sua aprovação voltar para abaixo dos 60%. Neste mês, grupos opositores organizaram uma grande manifestação na Cidade do México para protestar contra a gestão da economia e a violência. Entre seus organizadores, estava Andrés Manuel López Obrador, candidato derrotado por Calderón nas eleições de 2006, que vê nas recentes dificuldades do governo uma oportunidade para ganhar espaço. "O grande risco para o governo de Calderón hoje é que os os problemas acabem se contaminando - ou seja, que a crise econômica amplie tanto os conflitos sociais e políticos quanto a violência e o poder dos cartéis da droga", diz Tirado. "É claro que precisamos tomar cuidado com as projeções feitas nos EUA sobre o México - até porque sempre existe a possibilidade de que elas sirvam para justificar algum tipo de intervenção -, mas, nesse caso, de fato teríamos um cenário em que a estabilidade do Estado mexicano estaria em risco." SADISMO Martín Gabriel Barrón Pesquisador do Instituto de Ciências Penais "Começamos a observar em alguns pistoleiros uma patologia, na qual eles sentem prazer em descobrir formas criativas de matar e destroçar corpos"

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