Casa Rosada beneficia entidades e ganha apoio político no interior

Associações que fazem oposição a Kirchner acusam presidente[br]de privilegiar cooperativa que vende sua produção para o governo

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Por Roberto Lameirinhas
Atualização:

San Salvador de Jujuy, Argentina - Militantes da Organização de Bairros Tupac Amaru estiveram à frente dos protestos, alguns deles violentos, que começaram em meados da última década na província argentina de Jujuy. De orientação esquerdista, seus membros rejeitam as críticas de que se beneficiam das verbas sociais distribuídas pelo governo de Néstor Kirchner, mas não negam que a atual administração federal lhes tem dado mais ouvidos do que as anteriores. "Tudo o que conseguimos para nossos associados tem sido conquistado nas ruas, nas lutas, contra bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Nossas atividades são auto-sustentáveis e nossos recursos vêm de nós mesmos", diz um membro da organização, Julio Fisan, ou Turco, como é mais conhecido entre seus companheiros. "O governo Kirchner nos ouve mais do que os de Carlos Menem e Fernando de la Rúa. Mas acreditamos que a obrigação de qualquer governo é atender às reivindicações da população." Na realidade, o governo peronista de Kirchner tem feito mais do que simplesmente servir de interlocutor para a Tupac Amaru, que conta com mais de 40 mil associados - número significativo, se confrontado com a população total de cerca de 500 mil em Jujuy. Sob forma de cooperativa, a entidade mantém, entre outras atividades, uma fábrica de roupas e uniformes em Alto Comedero, um distrito da capital provincial, San Salvador de Jujuy. Boa parte da produção da fábrica - uniformes escolares, hospitalares e industriais - é vendida para o governo federal. A Tupac Amaru atua em toda a província e é a segunda maior associação de bairros da Argentina. Só em Alto Comedero, distrito dos arredores da capital provincial, já distribuiu 400 casas - bem construídas, de dois quartos, cozinha e banheiro - a custo zero. Mais mil estão em construção e os títulos de propriedade serão entregues assim que forem ocupadas por seus moradores. No bairro, além da fábrica de roupas e de uma indústria de blocos de cimento - geridas pelo sistema de cooperativa -, os empregados e moradores do bairro planejado contam com escola, creche, clínicas médicas e um centro poliesportivo com piscina. Entre os dirigentes da entidade, quase todos manifestam simpatia por Kirchner e sua candidata nas eleições de domingo, a primeira-dama Cristina Kirchner. A presidente da associação, Milagro Salas, no entanto, insiste em afirmar que a Tupac Amaru não tem vínculo partidário. Ao mesmo tempo, a organização supervisiona a obra de mutirão que converte um galpão da desativada estação de trem de San Salvador de Jujuy num armazém para a organização. A instalação fora cedida à Tupac Amaru pelos governos federal e provincial - donos do edifício. A proximidade da entidade com o governo federal, porém, é criticada por dirigentes de outras associações, como a Tupac Katari - também de Jujuy -, que se recusou a alinhar-se com as políticas do governo federal e acabou ficando de fora da lista de organizações beneficiadas pelos projetos da Casa Rosada de combate à pobreza. "Essa é a política do governo Kirchner: as entidades que não se ajustarem à sua cartilha não recebem nada da verba destinada à assistência social", diz o dirigente da Tupac Katari Carlos Santillán - feroz crítico da Casa Rosada. "O que ocorre na relação da administração federal e de Jujuy com a Tupac Amaru é um exemplo clássico de clientelismo político", disse ao Estado Hugo Zanetti, analista político da consultoria Soma, de Buenos Aires. "O pior é que não se trata de um caso único. Há exemplos de troca de apoio por pequenos favores políticos em quase todas as províncias do interior, que são governadas por aliados de Kirchner. Mas não se sabe até quando os cofres públicos suportarão esses favores."

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