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Catar investe em 'marca' do país e busca status no cenário mundial

Considerado o país mais rico do mundo, o Catar quer ser associado a eventos globais e ao apoio aos manifestantes da Primavera Árabe.

Por Júlia Dias Carneiro
Atualização:

Atualmente o país mais rico do mundo segundo a Forbes, o Catar vem buscando aumentar sua importância global e valorizar sua 'marca' com ações que vão desde a vitoriosa campanha pela Copa de 2022 ao apoio dado a rebeldes líbios na primavera árabe. Quando se chega a Doha, a primeira visão que se tem é impactante: os imponentes arranha-céus agrupados no novo centro da capital catariana. A maioria deles não estava lá dez anos atrás. Basta andar um pouco mais para entender que o mesmo vale para grande parte da cidade. Há canteiros de obras em profusão, e os planos são de investimentos bilionários em infraestrutura até 2022, quando o país recebe a primeira Copa do Mundo no Oriente Médio. O surto de crescimento, apoiado sobretudo nas ricas reservas de gás natural, produziu o PIB per capita mais alto do mundo, que chegou a US$ 97 mil (R$ 177 mil) em 2011, segundo o FMI. O país foi o primeiro no ranking da revista Forbes dos países mais ricos do mundo naquele ano. 'Marca Catar' Ao aplicar essas riquezas, a atuação do emirado muçulmano nos últimos anos indica que suas ambições vão muito além do desenvolvimento interno. De acordo com Kristian Coates Ulrichsen, da London School of Economics and Political Science (LSE), o país vem adotando uma poderosa estratégia para desenvolver sua marca no cenário internacional. "A Copa do Mundo é o exemplo de maior sucesso, mas ao longo dos últimos 10 anos tem havido um claro esforço de desenvolver a marca do país e torná-la o mais visível possível ao redor do mundo", aponta Ulrichsen, diretor de pesquisas do Programa de Desenvolvimento, Governo e Globalização nos Países do Golfo. Os braços do pequeno país vizinho à Arábia Saudita se alargam nas iniciativas mais variadas, como o esforço de sediar grandes eventos esportivos mundiais - após conquistar a Copa, o país agora se candidata à Olimpíada de 2020 - e de associar seu nome a marcas globais icônicas. Entre elas estão o FC Barcelona, hoje patrocinado pela Qatar Foundation; a loja de departamentos Harrods, comprada pelo país em 2010; a marca de automóveis Porsche, que é 10% catariana desde 2009; e a Vila Olímpica construída para os Jogos de 2012 em Londres, arrematada pelo país por 557 milhões de libras (R$ 1,6 milhão). A criação da Al-Jazeera, em 1995, e do canal em inglês da emissora, em 2006, também fariam parte de uma estratégia de marketing que, segundo Ulrichsen, tem sido eficaz em passar para o mundo a ideia de um país dinâmico e ativo. Primavera Árabe Mas é no âmbito político e diplomático que o Catar vem assumindo uma nova posição perante seus vizinhos, buscando se estabelecer como potência regional. Depois de fazer a mediação diplomática de diversos conflitos no mundo árabe nos últimos anos, sua ação se intensificou com o início da Primavera Árabe. Durante os levantes na Líbia, o emirado deu apoio material aos rebeldes que lutavam para derrubar o líder do governo, Muamar Khadafi, morto em outubro do ano passado. Enviou armas, dinheiro, combustível, aviões, caça-bombardeiros para as forças anti-Khadafi, e se engajou politicamente até a queda do ditador. Agora, vem fazendo pressão contra o governo de Bashar al-Assad, na Síria, que já matou milhares de civis na repressão à oposição popular. "Ao longo do último ano, o Catar foi o único país do Oriente Médio que viu a Primavera Árabe como uma oportunidade, não um desafio", afirma Ulrichsen. O país não enfrentou levantes de sua própria população, o que analistas associam ao nível de riqueza e ao ritmo de desenvolvimento e de abertura do país empregado pelo governo atual. O atual emir, Hamad bin Khalifa Al-Thani, está no poder desde 1995, quando usurpou o trono de seu pai - que tirava férias na Suíça. O emir prometeu as primeiras eleições parlamentares já realizadas no país para 2013. "Acho que perceberam que não podem promover a democracia pelo Oriente Médio sem ter qualquer tipo de participação da população em casa", avalia o pesquisador da LSE. Universidades sem protestos A estudante Salma Hamouda, de 19 anos, do Egito, é caloura da graduação em design na Virginia Commonwealth University. Assim como outras cinco universidades de prestígio norte-americanas, a VCU tem uma filial em Doha, na área conhecida como Education City. Salma cresceu no Catar e acompanhou à distância as manifestações cheias de estudantes de sua idade na Praça Tahrir, no Cairo, até a deposição do presidente Hosni Mubarak. Diz ter ficado feliz por seu país, mas não imagina algo semelhante acontecendo no Catar, onde afirma se sentir livre e ter boas oportunidades. "Eu não acho que alguém esteja tão infeliz com o governo a ponto de iniciar protestos", afirma Salma, acrescentando que as condições de vida são ainda melhores para os cidadãos catarianos. Os cataris são minoria na população de 1,8 milhão de pessoas, perfazendo cerca de 300 mil. O número de estrangeiros no país cresce junto com a economia. A população triplicou de 2006 para cá, quando tinha apenas 600 mil pessoas. "O país quer crescer. As pessoas querem que o país cresça, então não se importam que venham estrangeiros", afirma a catariana de origem palestina Najwa Mahmood, que se orgulha de ter acesso a produtos e culinárias de todo o mundo todo em Doha. Pobreza e canais venezianos Estrangeiros de países ricos chegam para trabalhar em grandes empresas, e imigrantes de países mais pobres, como Índia, Sri Lanka e Filipinas, chegam em busca de trabalho como prestadores de serviços. No entanto, muitos destes vivem na pobreza, segundo Ulrichsen. "Você tem uma proporção pequena de cataris vivendo com uma riqueza e luxo inimagináveis e uma massa de trabalhadores importados se virando para sobreviver e morando em campos para trabalhadores no deserto. Há uma polarização extrema." O crescimento e a riqueza do país, por outro lado, se reflete em empreendimentos imobiliários suntuosos, em uma farta presença de carros de luxo e em shopping centers repletos de marcas de alta costura. Um dos maiores, o Villagio, tem réplicas dos canais de Veneza em seu interior. Lá, as tradições muçulmanas contrastam com as vitrines ocidentais. As mulheres vestem a abaya, um traje longo negro com um lenço sobre a cabeça que pode esconder completamente rosto. Os homens vestem o dishdash, uma veste branca até os pés completada por um lenço na cabeça. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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