Causas e caras da revolta no Chile

Baixas aposentadorias, difícil acesso à educação, repressão e concessões insuficientes são os principais eixos identificados pelo 'Estado' entre os combustíveis para as manifestações no país

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Por Rodrigo Cavalheiro
Atualização:

Ao longo de 30 anos, desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), a classe média do Chile foi encorpada por quem saiu da miséria, mas não se considera beneficiada pelos bons indicadores macroeconômicos do país.

No Chile, os protestos foram alimentados pela percepção de aumento da desigualdade, custo alto do ensino e precariedade das aposentadorias Foto: Alberto Valdés / EFE

No "oásis" que é o país, para usar definição do presidente Sebastián Piñera, boa parte da população decidiu dizer que "tem sede". Está endividada e revoltada com a concentração de renda. O aumento de 30 pesos (R$ 0,16) no preço do metrô foi só o estopim para a onda de protestos. Não por acaso, um dos principais lemas da revolta é "Não são 30 pesos, são 30 anos".

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Veja abaixo outros quatro eixos identificados pela reportagem do Estado entre os principais motivadores das manifestações:

Baixas aposentadorias

As AFPs são administradoras privadas em que os chilenos são obrigados a depositar pelo menos 10% do salário, formando uma espécie de poupança que receberão parceladamente ao se aposentar. As AFPs se tornaram alvo central da fúria dos chilenos, tanto daqueles que começam agora a se aposentar quanto daqueles que ainda trabalharão durante anos. Há relatos frequentes de aposentados que passam a receber 20% do último salário. Essa distorção fez a expressão "No+AFPs" ser uma das mais vistas em cartazes e pichações.

Difícil acesso à educação

Há ensino gratuito no Chile, mas apenas para os muito pobres. A classe média, incluindo seus integrantes mais humildes, precisa contrair empréstimos se quiser chegar a boas escolas ou ao ensino superior. Por isso, alguns analistas apontam uma espécie de apartheid educacional, com pouca margem de ascensão social. São frequentes casos de quem se endivida por décadas, sabendo que terá de pagar a dívida sem renegociação. Em uma mobilização em que predominam rostos jovens e adolescentes, esse é outro tema frequente nas pichações que tomam Santiago.

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Repressão

A popularidade de Sebastián Piñera chegou a 12% após o começo dos atos, o que sugere que muitos descontentes com sua presidência foram seus eleitores. Esse descontentamento que inclui seus ex-partidários se acentuou nos 10 dias em que o presidente manteve o país sob estado de exceção, com militares na rua. A própria ação dos policiais militares, apelidados de "paco", potencializou os protestos. A imprensa mundial deu especial atenção aos casos de manifestantes cegados por balas de borracha. Denúncias de abusos, com mortes e torturas, se multiplicam nos grafites chilenos.

Concessões insuficientes

A forma como as manifestações se organizam, sem líderes claros, potencializa novas adesões e confunde o governo. As autoridades já recuaram no aumento do preço do metrô, reajustaram o salário mínimo, cortaram parte da remuneração dos políticos e reviram em uma reforma tributária. Ministros foram trocados. As concessões da presidência são insuficientes e, indiretamente, levam novas demandas às ruas. Elas podem ser simples, como o controle sobre o preço dos pedágios. Mas todas passam por um objetivo supremo, sobre o qual agora Sebastián Piñera aceita conversar: uma nova Constituição.

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