Cenário: Le Pen quer acabar com a UE, bloco que paga suas contas

A França terá no dia 23 uma dura eleição presidencial na qual uma variada gama política se opõe a Marine Le Pen, um ícone do antieuropeísmo

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Por Michael Bimbaum
Atualização:

Os que temem pelo futuro da União Europeia enfrentam um doloroso paradoxo: muitas das mais radicais investidas para rachar o bloco são financiadas com dinheiro da própria UE. 

A França terá no dia 23 uma dura eleição presidencial na qual uma variada gama política se opõe a Marine Le Pen, um ícone do antieuropeísmo. Acontece que fundos da UE pagam o salário de Marine e de seus assessores e financiam as conferências e livros que ela usa para atacar o bloco de 28 nações. Líderes britânicos da bem-sucedida campanha do Brexit foram financiados por euros de Bruxelas. Em vários países da Europa, grupos que se identificam como fascistas pagam manifestações para “defender o futuro da raça branca” usando dinheiro da União Europeia. 

Le Pen fala sobre ataques na França Foto: MATTHIEU ALEXANDRE / AFP

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Com a UE mais ameaçada que nunca, parlamentares do bloco europeu tentam restringir as generosas leis que facilitam a partidos marginais qualificar-se para receber anualmente centenas de milhares de euros. Grupos maiores, como a filial europeia da Frente Nacional de Marine Le Pen, recebem milhões graças a seu peso nas eleições para o Parlamento Europeu (PE) – uma instituição pobre em poder, mas rica em dinheiro. 

Organizações como a de Marine, têm um grande número de eleitores. Mas outras, em vários países da Europa, recebem verba mesmo tendo um escasso número de apoiadores. Legisladores querem agora cortar o financiamento desses organizações. 

“Como gozamos de liberdade de expressão, eles podem fazer quase tudo que queiram, mas não deveriam ser financiados por uma UE cujos valores são totalmente diferentes dos deles”, disse a sueca Marita Ulvskog, deputada de centro-esquerda do Parlamento Europeu que luta para cortar a verba de partidos de extrema direita. 

O grupo específico a que ela visa, a Aliança para Paz e Liberdade, tem previsão de receber o equivalente a US$ 723 mil neste ano. No ano passado, parte do financiamento do grupo foi decidida numa conferência na qual um líder do Partido Nacional Britânico, Nick Griffin, lamentou “a baixa natalidade catastrófica” da população branca. 

“Na maioria dos países já temos tão poucas jovens em idade de procriar ou menos que, mesmo que cada uma ativesse 20 filhos, levaria 80 anos para se restaurara nossos números”, disse Griffin, ex-membro do Parlamento Europeu. 

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Como deputada eleita do Legislativo europeu, Marine Le Pen pode trabalhar em regime integral para solapar a UE e continuar recebendo seu generoso salário da organização. Como ela, um terço do Parlamento – de 751 membros – é de eurocéticos, incluindo 23 filiados à Frente Nacional de Le Pen. 

“Quando, como Marine, você tem 23 cadeiras, são esplêndidas as várias possibilidades e meios de que dispõe para divulgar sua mensagem política”, disse Gerolf Annemans, líder do grupo parlamentar pan-europeu de Le Pen e membro do partido eurocético belga Flamish Interest. 

Após décadas de marginalização na Europa, partidos antieuropeus cresceram durante as eleições de 2014, levando um poderoso, embora fracionado, contingente ao PE. Seus membros se beneficiaram de uma virada em anos de austeridade política e do crescente medo dos eleitores de que com a abertura das fronteiras europeias suas perspectivas de emprego estejam ameaçadas. 

Benefícios. Membros britânicos do PE filiados ao Partido pela Independência do Reino Unido, ou Ukip, lideraram a bem-sucedida atuação para tirar seu país da União Europeia. Agora, Le Pen lidera membros franceses do Parlamento Europeu para desferir o golpe final caso ela seja eleita presidente da França. O dinheiro da UE foi tão decisivo para esses dois grupos que muitos políticos acreditam que eles nunca teriam ameaçado o establishment da Europa sem esse financiamento. 

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“Não haveria um Ukip ou uma Frente Nacional poderosos e coesos como são hoje sem o Parlamento Europeu”, disse Giles Merritt, veterano observador da União Europeia e chefe do centro de estudos pró-europeu Amigos da Europa. 

“Apenas com eleições nacionais para disputar eles provavelmente teriam morrido na praia”, acrescentou Merritt. “Mas o fato é que puseram um número substancial de pessoas no PE e, por esse meio, levantaram fundos – o que foi muito significativo para impulsionar a onda populista.” 

Tanto na França quanto na Grã-Bretanha, pequenos partidos, alijados da política nacional conseguiram chegar ao Parlamento Europeu. Ao mesmo tempo, a Frente Nacional de Le Pen é o maior partido da bancada francesa no PE, mas tem apenas 2 das 577 cadeiras da Assembleia. O Ukip é o maior partido britânico em Bruxelas – sem ter cadeiras na Câmara dos Comuns. 

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Líderes eurocéticos há muito se voltaram para o Parlamento Europeu como fonte de fundos e legitimidade. O pai de Marine, Jean Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional, vem sido eleito para o PE desde 1984. O líder do Ukip, Nigel Farage, está lá desde 1999. Mas apenas após as eleições de 2014 é que o dinheiro aumentou passando a ser vinculado ao número de parlamentares. 

Os recursos disponíveis para parlamentares da União Europeia são amplos, começando com o salário anual de US$ 108 mil, mais diárias quando o PE estiver em sessão. Cada parlamentar pode ter três assessores em Bruxelas e outros em seu país de origem. Há verbas adicionais para movimentos políticos e centros de estudos ligados a partidos. O Movimento para uma Europa de Nações e Liberdade, de Marine Le Pen, deve receber neste ano US$ 1,8 milhão. Seu centro de estudos, que financia publicações e conferências, receberá US$ 1,1 milhão. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ  *É JORNALISTA

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