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Censurar fanatismo é estúpido

Ideia britânica de impor mordaça a radicais religiosos é absurda; às vezes, odiar é preciso

Por Timothy Garton Ash
Atualização:

Em reação à atrocidade cometida contra um soldado britânico, morto na semana passada por dois extremistas islâmicos armados com cutelos, a secretária britânica do Interior, Theresa May, propôs que rádios e TVs parem de dar espaço em sua programação para pessoas que defendam "opiniões revoltantes". May sugeriu também a adoção de mecanismos de censura prévia na internet. A Grã-Bretanha, como outros países europeus, está diante de uma ameaça real. Acaba de ser detido na França outro muçulmano radical que confessou ter atacado um soldado francês a facadas. Mas não será seguindo as sugestões de May que conseguiremos reduzir a ameaça representada por esses radicais. A proposta da secretária carece de senso prático, além de ser intolerante, míope e contraproducente. Sua adoção acarretaria a redução de liberdades essenciais sem aumentar a segurança. O melhor a fazer é relegá-la à lata de lixo da histeria.Incitar a violência é crime em toda e qualquer jurisdição democrática, incluindo as que compõem a Grã-Bretanha. Que atos, exatamente, podem ser considerados uma incitação à violência é algo que, na atual era da internet, nossos legisladores e juízes precisam reavaliar constantemente. Mas adotar, a mando de uma secretária do Interior, a censura prévia generalizada a "opiniões revoltantes" só servirá para nos pôr em maus lençóis.Deixar nossa liberdade de expressão aos cuidados da Secretaria do Interior é como pedir que um operador de britadeira se encarregue de restaurar um dente careado. Trata-se do órgão governamental que, sob uma administração trabalhista, elaborou uma lista enorme de pessoas que deveriam ser proibidas de entrar no país por "instigarem opiniões extremistas". Nessa lista estava o nome do radialista americano Michael Savage. Como se o país de John Milton e John Stuart Mill não fosse capaz de desmascarar um locutor sensacionalista só com a força de sua inteligência e o vigor de seu idioma!A secretária do Interior vai contra-argumentar, dizendo que a ideia é delegar as atribuições censórias não à sua própria estrutura policial, mas à Ofcom, a agência reguladora dos meios de comunicação britânicos. A Ofcom já detém poderes consideráveis para punir veículos que desrespeitem seus criteriosos padrões editoriais, e a agência tem feito uso desses poderes de maneira escrupulosa, com independência e propriedade. Agora, em nome da segurança pública e da luta contra o terrorismo, May quer que inspetores estatais submetam conteúdos editoriais à censura prévia? Onde vimos isso antes? No Egito. Na China. Na Rússia. Bem-vindos ao clube. E a proposta, diga-se, vem de um Partido Conservador que tem tanto medo dos barões da imprensa que não faz nada para impedi-los de continuar invadindo as vidas privadas de pessoas comuns e inocentes com o objetivo único de atender a sua própria ganância - contribuindo, mais recentemente, para o suicídio de um professor transexual que foi exposto ao que um investigador chamou de "assassinato de reputação". Um partido que ainda não se atreve sequer a estabelecer a estrutura mínima de regulamentação da imprensa escrita que há tempos se faz obviamente necessária.A proposta de May não tem como ser posta em prática. Se não deu certo nos anos 80, quando Margaret Thatcher tentou impedir os porta-vozes do Sinn Fein de respirar o "oxigênio dos microfones e câmaras de TV", que dirá agora, quando, para aplacar o desejo de aparecer, provocadores islamistas podem simplesmente sair por aí postando vídeos no YouTube. Pois, então, dirá essa nossa impulsiva secretária do Interior, é preciso considerar a hipótese de incluir o Google e o YouTube, além das rádios e das TVs, no esforço de impedir que esse tipo de material seja veiculado. Ora, muitas das ações do Google - em matéria tributária, na área concorrencial e em questões de privacidade - são questionáveis, mas impor à empresa a obrigação editorial de examinar antecipadamente tudo o que é postado no YouTube significaria destruir algo incrivelmente valioso: a possibilidade, sem precedentes, que as pessoas agora têm de falar umas às outras sem intermediários, através de oceanos e continentes.Além do mais, a censura seria contraproducente. Ex-secretário do Interior do governo Tony Blair, o trabalhista Jack Straw diz que a interdição parcial imposta aos porta-vozes do Sinn Fein (cujos pronunciamentos eram ridiculamente transmitidos por atores) foi "um grande instrumento de recrutamento para eles". E assim funcionaria para os extremistas virulentos de hoje em dia. Se eles gritam tanto, é porque querem que alguém os amordace. Assim poderão posar de mártires - do Ocidente islamofóbico, da liberdade de expressão.Não, a maneira de lutar contra os que pregam o extremismo violento não é impondo o silêncio, mas encarando-os, enfrentando-os em todos os meios de comunicação. Decisões editoriais devem ser feitas - por editores, não por secretários do Interior. A BBC e o Channel 4 cometem um erro ao dar espaço a extremistas como Anjem Choudary, que sabem usar a mídia, pondo-os na tela de uma maneira que lhes permite passar a impressão de que são participantes legítimos de um civilizado debate nacional. Creio, porém, que seria perfeitamente adequado que ele fosse filmado e entrevistado no contexto de uma reportagem investigativa que tivesse por objetivo descobrir como um rapaz nascido na Grã-Bretanha pôde ser convencido de que deveria retalhar um soldado britânico em nome de Alá. O Institute for Strategic Dialogue, com sede em Londres, iniciou um trabalho muito interessante sobre como é possível combater narrativas extremistas online com outras narrativas e ferramentas online.Por fim, seguindo o exemplo de Edmund Burke, gostaria de acrescentar uma palavrinha em favor do ódio. Tentar criminalizar uma emoção em sua totalidade é tão tolo e fútil quanto querer derrotar alguém numa guerra (a "guerra ao terror".) Além do mais, como esse grande filósofo conservador observou, um pouco de ódio não faz mal a ninguém. "Jamais amarão o que devem amar aqueles que não odeiam o que devem odiar", escreveu Burke. Odeio a violenta ideologia islamista que envenenou as ideias daquele rapaz. Odeio o fascismo. Odeio todo tipo de opressão. Odeio as mistificações. Odeio os pensamentos negligentes e descuidados. E, em nome de todos esses ódios saudáveis, advirto contra as superficiais, míopes e contraproducentes reações impulsivas de secretárias do Interior que acham que "é preciso fazer alguma coisa" e, sob a justificativa de defendê-la, acabam solapando a nossa liberdade. /TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER* É professor de estudos europeus da Universidade de Oxford

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