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Cerco a produtos do desmatamento ilegal ameaça agronegócio do Brasil

O Brasil é visto nos EUA e na Europa como um país em que o moderno e o arcaico convivem de forma tão estreita que é um desafio separar um do outro

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Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

O projeto de lei que restringe o acesso ao mercado americano de commodities associadas a desmatamento ilegal foi apresentado na quarta-feira ao Congresso americano. Propostas semelhantes são discutidas na Comissão e no Parlamento europeus. O agronegócio brasileiro, de maneira geral, não explora áreas desmatadas. Mesmo assim, o impacto sobre a competitividade do setor mais dinâmico da economia brasileira pode ser significativo.

Os dois projetos, o americano e o europeu, citam a carne bovina e derivados, soja, celulose e outros produtos da madeira, azeite de dendê, látex de borracha e cacau. Todos produtos nos quais o Brasil se destaca. A Amazônia brasileira é sempre citada quando essas propostas são discutidas. O projeto que tramita no Parlamento Europeu prevê que a restrição seja adicionada ao acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

Desmatamento na Floresta Nacional de Jamanxim, perto deNovo Progresso, no Pará Foto: Amanda Perobelli/Reuters - 11/9/2019

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Essas propostas deslocam o ônus da prova para os produtores, exportadores e importadores. Uma empresa frigorífica moderna pode provar que toda a sua carne provém de pastos que respeitam as regras do Código Florestal. Provar que a soja e outras matérias-primas e insumos usados na ração que alimenta todo esse gado não foram produzidos em terras ilegalmente desmatadas já é mais complexo. Não é impossível, mas envolve custos. 

Ao apresentar o projeto na Câmara, o deputado democrata Brian Schatz declarou: “Queremos igualar a concorrência porque obviamente nenhuma das nossas commodities é resultado de desmatamento”. Há muita concorrência entre o agronegócio do Brasil e dos EUA. Nesse mundo do comércio exterior, que envolve grandes volumes, os custos se multiplicam de forma comprometedora. As empresas brasileiras passarão a ter gastos com o rastreamento de suas complexas cadeias produtivas que as concorrentes americanas e australianas, por exemplo, não têm.

O projeto americano prevê multas para os infratores e ações penais no caso de as receitas resultantes das exportações serem investidas no crime organizado e no terrorismo, por exemplo. Grandes empresas odeiam riscos para sua imagem, que dirá ter de pagar multa ou, pior, seus executivos irem para a prisão. 

O Brasil é visto nos EUA e na Europa como um país em que o moderno e o arcaico convivem de forma tão estreita que é um desafio separar um do outro. Noutras palavras, o Brasil é um mistério para os executivos americanos e europeus. Acrescente-se a isso a perda de credibilidade do governo brasileiro na área ambiental a partir da chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro. 

Quer um exemplo? Uma empresa francesa apresentou à matriz um plano de usar apenas biocombustíveis em sua numerosa frota. O plano incluía os cálculos sobre as emissões de gases na produção e uso das fontes renováveis em comparação com o equivalente fóssil. A matriz questionou se a produção dos biocombustíveis envolvia desmatamento, e avisou que dados do governo brasileiro não seriam aceitos.

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A França, epicentro do protecionismo na Europa, ocupará no primeiro semestre do ano que vem a presidência de turno do Conselho da UE, quando as restrições de importações poderão ser adotadas. Há um ano, estudo encomendado pelo governo francês concluiu que, mesmo quando os produtos exportados pelo Brasil não provêm diretamente de áreas desmatadas ilegalmente, a demanda interna adicional gerada por sua exportação cria uma pressão sobre a Amazônia e o cerrado.

A Alemanha e o Reino Unido representavam contrapesos aos instintos protecionistas dos franceses. A Alemanha passará muito provavelmente a ter os verdes no seu novo governo e o Reino Unido deixou a UE. “Eles não estão brincando”, me disse uma fonte que discute esse assunto cotidianamente com americanos e europeus. O Brasil precisa se preparar.

* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS 

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