Cerco se fecha contra os antivacina em grande parte do Ocidente

Crescente frustração da maioria vacinada no Ocidente em relação à minoria não vacinada está se intensificando em alguns países

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Por Anthony Faiola
Atualização:

Governadores republicanos podem estar defendendo a causa de quem resiste às vacinas contra a covid-19 nos Estados Unidos e abrindo processos judiciais para impedir as obrigatoriedades impostas pela presidência de Joe Biden. Mas em outras partes do Ocidente, os não vacinados estão se tornando cada vez mais personae non gratae.

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A variante Ômicron está ocasionando alguns dos mais altos índices de infecção da pandemia de coronavírus, e a crescente frustração da maioria vacinada no Ocidente em relação à minoria não vacinada está se intensificando em alguns países. Estudos sugerem que a Ômicron provoca sintomas mais brandos. Mesmo assim, os não vacinados — pelo menos aqueles sem razões médicas válidas — são responsabilizados pela sobrecarga nos hospitais e por colocar a si mesmos, e toda a sociedade, em risco. 

Na Flórida, por exemplo, o governador Ron DeSantis (republicano) sancionou uma lei que impede empresas e escolas de insistir que todos os seus funcionários sejam vacinados. Na mesma semana, a Disney suspendeu a obrigatoriedade de vacinação de seus empregados no Walt Disney World. 

Compare isso à posição do presidente francês, Emmanuel Macron, que prometeu com linguagem chula na semana passada semana passada fazer da vida dos não vacinados um inferno na Terra. 

Polícia estadual italiana monitora manifestantes em protesto contra a vacina anticovid na cidade de Turim Foto: Alessandro Di Marco/EFE

A indignação dos adversários políticos de Macron não foi suficiente para desviá-lo do plano de encolher o mundo dos não vacinados. Por esmagadores 213 votos a 93, a Assembleia Nacional da França aprovou a proposta do presidente de remover uma brecha na legislação que permitia pessoas não vacinadas a contornar as restrições sanitárias no país apresentando testes negativos de covid-19 para frequentar cafés, andar de trem e ir ao cinema. Agora, ou os franceses se vacinam ou terão de saborear suas champanhes em casa. 

Ao mesmo tempo, o mundo cresceu para os vacinados na França. O período de autoisolamento requerido daqueles que completaram o ciclo vacinal e testaram positivo para o coronavírus, afirmou o governo Macron, diminuiu de dez para sete dias a partir desta segunda-feira, e para cinco dias para quem testou negativo.

As explosivas declarações de Macron — diante da expectativa dele concorrer à reeleição, em abril — assumiram um certo cálculo: que um ponto de inflexão foi alcançado nacionalmente em relação à percepção do egoísmo dos não vacinados. 

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Depois de críticos escarnecerem da crua linguagem usada por Macron, qualificando-a como indigna de um presidente, o líder francês não se curvou: “Quando alguns fazem de sua própria liberdade um lema, não apenas colocam vidas dos outros em risco, mas também tolhem a liberdade de seus semelhantes. Isso eu não posso aceitar”, afirmou ele a repórteres, em Paris, na sexta-feira. “Se você é um cidadão, tem de concordar com seu dever cívico.” 

O correspondente da BBC Paris Hugh Schofield ponderou que Macron estava lançando um desafio aos seus rivais políticos. “Eles estão do lado do presidente, fazendo todo o possível para aumentar o número de vacinados?”, escreveu Schofield. “Ou estão do lado da minoria, dos 5 milhões em vez dos 50 milhões, e dos antivacinas?”

Com menos repercussão midiática, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, formulou uma reprimenda mais habilmente enunciada. Ele se posicionou no mesmo momento em que Província de Quebec agiu para impedir o acesso de não vacinados a estabelecimentos administrados pelo governo que vendem álcool ou maconha.

“As pessoas estão tendo tratamentos de câncer e cirurgias eletivas adiados porque os leitos hospitalares estão lotados daqueles que escolheram não se vacinar; elas estão frustradas. Quando as pessoas percebem que estão em lockdowns ou sob sérias restrições de saúde pública neste momento por causa (do) risco a todos nós representado pelos não vacinados, elas se enfurecem”, disse ele a repórteres.

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Do outro lado do mundo, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, indicou a mesma determinação política que Macron coloca em prática para condenar não vacinados ao ostracismo. 

Defensor do título de campeão da disputa masculina do Australian Open, o tenista Novak Djokovic, que não se vacinou, teve o visto de permanência na Austrália cancelado pelas autoridades federais após uma disputa a respeito dele se qualificar realmente ou não para isenção médica requerida no país para estrangeiros não vacinados. A celeuma deixou o abastado atleta detido em um sujo “hotel-prisão”, enquanto a Justiça analisava seu caso. 

O primeiro-ministro australiano, segundo jornalistas, distanciou-se inicialmente da disputa em torno do visto de Djokovic. Mas com sua coalizão conservadora diante de uma eleição mais difícil do que prevista anteriormente — e de uma crescente indignação pública a respeito do que australianos consideravam uma licença prioritária para um atleta renomado — Morrison se apresentou. 

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Apesar do ultraje dos apoiadores de Djokovic — liderados por seu pai, que comparou a perseguição ao seu filho à crucificação de Jesus Cristo — e do governo australiano dividindo a responsabilização com as autoridades esportivas do tênis no país, prevaleceu a impressão pública de que Djokovic foi o principal culpado. 

“Em uma pesquisa no Twitter conduzida por este humilde correspondente, entre 5 mil entrevistados, apenas cerca de 5% responderam que ele deveria afinal poder deixar o hotel e ser autorizado a jogar — coincidentemente, a porcentagem aproximada neste país de tresloucados antivacinação é a mesma”, escreveu o colunista Peter FitzSimons no Sydney Morning Herald.

Quer permanecer sem se vacinar na Áustria? Depois de uma regra que valerá a partir de fevereiro entrar em efeito, isso lhe custará milhares de dólares em multas aplicadas trimestralmente. Enquanto o número de casos atinge picos na Itália — um país com memórias trágicas a respeito do custo da covid-19 — todos os cidadãos com idades a partir de 50 anos serão obrigados a se vacinar, anunciaram na semana passada as autoridades do país.

Se trabalhadores com mais de 50 anos não puderem provar que se vacinaram ou que se recuperaram recentemente de infecções pelo coronavírus, eles poderão ser suspensos a partir de 15 de fevereiro, noticiou o site Politico. Isso se somará ao rígidoprograma do Passe Verde italiano, que já complica bastante a vida dos não vacinados. 

Na segunda-feira, o país ampliou as restrições mirando os não vacinados e passou a exigir prova de vacinação ou recuperação de uma infecção recente para permitir o acesso a transportes públicos, cafés, hotéis, academias e outras atividades cotidianas. 

Crescentemente, o Ocidente está recompensando os vacinados enquanto mantém restrições relativas à pandemia para os não vacinados. Na semana passada, a Bélgica optou por abandonar completamente a obrigatoriedade de autoisolamento a pessoas completamente vacinadas que tiveram contato com infectados — mas os não vacinados ainda têm de se isolar por dez dias. 

Na Alemanha, legisladores afirmam que uma obrigatoriedade de vacinação levará meses para ser aprovada. Enquanto isso, os alemães restringiram acentuadamente o acesso a espaços públicos aos não vacinados. Por toda a Europa, os não vacinados têm reagido contra obrigatoriedades e lockdowns, às vezes com violência, e argumentado que o governo está excedendo suas atribuições.

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Na semana passada, o jornal The Independent noticiou que policiais alemães foram “atacados com garrafas, fogos de artifício e um policial sofreu até uma mordida” durante protestos contra obrigatoriedade de vacinação que mobilizaram 35 mil pessoas em cidades de todo o país. 

“É evidente que, por meio dessas medidas, eles querem nos excluir”, afirmou para a Al Jazeera uma mulher não vacinada que não se identificou. “Podemos nos sentar do lado de fora de alguns lugares, mas sempre parece que não temos permissão de existir da mesma maneira que os vacinados.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

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