Chávez aperta mais o cerco à mídia

Venezuelanos pedem a países vizinhos que pressionem o governo de Caracas por liberdade de expressão

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Por Roberto Lameirinhas
Atualização:

No centro das crescentes investidas do presidente venezuelano Hugo Chávez aos meios de comunicação independentes, a Globovisión, a emissora de TV que se tornou uma pedra no sapato do governo, conta com a reação da população da Venezuela e da comunidade internacional para manter-se funcionando. Para a maior parte dos analistas, o fechamento da emissora é uma questão de tempo. A medida - que repetiria o capítulo do fechamento da Radio Caracas Televisión (RCTV), cuja concessão não foi renovada em 2007 - seria o ápice das recentes investidas de Chávez contra a liberdade de expressão, que incluíram a tentativa de impor draconiano projeto de lei de imprensa e a cassação da licença de rádios. "Só no mês passado, pagamos mais de US$ 2 milhões em multas impostas pela Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações), pelas razões mais ridículas que se podem imaginar, mas estamos dispostos a seguir adiante", declarou ao Estado o principal diretor da emissora, Alberto Federico Ravell (ler entrevista nesta página), no dia seguinte ao ataque de um grupo chavista à sede da TV, em Caracas, que deixou dois feridos. "Com este governo é sempre melhor não pagar para ver, mas vamos esperar até onde Chávez estaria disposto a pagar o custo político de nos calar." "Um alerta é necessário", adverte o diretor e proprietário do jornal Tal Cual, de Caracas, Teodoro Petkoff. "Sou capaz de compreender a teia de interesses geopolíticos e as razões de Estado, mas é hora de a comunidade internacional - e, em especial, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem certa ascendência sobre Chávez - reagir de forma contundente às ações do governo contra a liberdade de expressão. A atual política de vários governos democráticos da região de fechar os olhos para o que está ocorrendo na Venezuela pode ter um alto custo para a democracia venezuelana, mas para toda a região." Nas últimas semanas, dois funcionários graduados estrangeiros - o chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, e o assessor especial da presidência do Brasil, Marco Aurélio Garcia - elogiaram o estado da liberdade de expressão no país, para irritação de parte dos venezuelanos. Na sede da Globovisión, no distrito de Alta Florida, em Caracas, cerca de 400 funcionários trabalham em clima de tensão - mas, ao mesmo tempo, de determinação. A Globovisión opera com sinal aberto de UHF, o que lhe deixa menos sujeita aos humores do governo, em apenas duas cidades: Caracas e Valência. Em todo o restante do país, as imagens da emissora são distribuídas por meio de cabo ou sinal digital fechado. "Ainda que uma cassação do sinal de UHF nos cause grande prejuízo em termos de abrangência e custo operacional, não significaria o fim da Globovisión", explica o gerente de engenharia da emissora, José Inciarte. "Passaríamos a transmitir integralmente por meio da TV paga." Em razão dessa particularidade, o governo Chávez concentra suas ações em sanções financeiras contra a empresa que administra o canal e em processos penais contra seus proprietários. Uma das multas aplicadas pela Conatel baseou-se na acusação de a Globovisión ter noticiado, antes de o governo ter emitido seu comunicado sobre o tema, a magnitude de um terremoto sentido levemente em Caracas há dois meses. O principal acionista da emissora, Gustavo Zoluaga, dono também de uma concessionária de veículos, está proibido de deixar o país, acusado de especular com o preço de carros de luxo na Venezuela. "Respondo na Justiça por dezenas de processos por causa de notícias difundidas pela emissora", diz Ravell. Chávez já deu ordens expressas para que seus ministros ajam contra a emissora - no ar há 15 anos, apenas com programas jornalísticos -, que considera "a grande lacaia do imperialismo e das oligarquias da Venezuela". "A mim pouco importa o que diz o mundo. Para mim o único que importa é a saúde mental do povo venezuelano. Diosdado Cabello, estou aguardando", disse Chávez durante uma transmissão de seu programa dominical Alô, Presidente!, conclamando seu ministro de Obras Públicas a levar adiante o fechamento da Globovisión. RADICALISMO As declarações do líder bolivariano refletem-se nas ações de seus seguidores mais radicais. Nos últimos dois anos, a emissora foi alvo de pelo menos quatro ataques violentos, o mais grave deles na segunda-feira, quando um grupo de cerca de 30 militantes armados da facção chavista Unidade Popular Venezuelana (UPV), sobre motocicletas e comandados pela ativista socialista radical Lina Ron, conseguiu invadir o pátio externo da Globovisión e lançou duas bombas de gás lacrimogêneo, causando pânico e deixando dois feridos. "Foi um ataque rápido", relatou ao Estado o produtor da editoria de Internacional da TV, Carlos Arturo Alvino. "Muitos funcionários entraram em pânico, mas a polícia evitou que os motorizados chegassem aos estúdios." Desde 2008, quando a Globovisión sofreu outro ataque com uma bomba de fabricação caseira lançada pela facção chavista conhecida como "La Piedrita", um destacamento da Polícia Metropolitana monta guarda na porta da TV. Equipes de reportagem são hostilizadas pelas ruas de Caracas por partidários do presidente. Para os chavistas, a Globovisión assumiu o papel da RCTV, de promover a conspiração para depôr - ou, em alguns casos mais extremos - assassinar Chávez.

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