Chávez disse em Paris que perigo de golpe era zero

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Por Agencia Estado
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Hugo Chávez caiu. Não há quem não esperasse por isso havia já seis meses. Esse estranho político vinha deslizando com força total por uma montanha russa rumo ao abismo. Todo mundo sabia disso, menos ele, que declarou muito tranqüilo ao Le Monde há algumas semanas: "O perigo de golpe de Estado na Venezuela é zero." Como é que um dirigente tão astuto e perspicaz pôde ser tão cego? A primeira resposta é irônica: Chávez tinha o dom da palavra, era orador eloqüente, e acabou se deixando convencer pela magia hipnótica "do próprio verbo". No fim, acreditava que, acontecesse o que acontecesse, sua sabedoria, generosidade e, principalmente, sua força predominariam infinitas. A segunda razão deve ser buscada, ao que parece, na grande marcha de protesto organizada contra ele em 27 de fevereiro. Nesse dia, uma numerosa multidão saiu às ruas de Caracas numa demonstração de insatisfação por parte não só de capitalistas (proprietários de terras fustigados por uma reforma agrária até que bastante moderada), mas também pela população sem terra alguma. Como bom "populista", Chávez queria passar por anjo da guarda de todos eles Ocorre que nesse mesmo dia, uma outra multidão, igualmente imponente, porém favorável a Chávez, reuniu-se e ganhou as ruas não muito distantes dali. Aconteceu então um grande milagre, já que em nenhum momento as duas facções se hostilizaram. Deu empate, a crer no que se dizia no Palácio Miraflores. O brilho de Chávez continuava forte o bastante para manter em seus devidos lugares amigos e adversários. De todo modo, para o Palácio, a Venezuela era um país equilibrado e a salvo da violência. Foi depois da marcha de 27 de fevereiro que Chávez, com entusiasmo redobrado, descartou para o Le Monde a possibilidade de "golpe de Estado". Ele tinha tal confiança em si mesmo que lançou uma nova reforma ainda mais perigosa, já que tinha a ver com o petróleo, ponto nevrálgico por excelência da Venezuela. O país é o quarto produtor mundial e um dos principais fornecedores dos EUA. Comentava-se que seu plano, de matiz marxista, consistia em assumir o controle desse setor gigantesco nomeando para a direção do conselho de administração da sociedade pública do petróleo (PDVSA) personalidades muito controversas. A reação foi fulminante. Fundiram-se todos os elementos, normalmente muito distantes uns dos outros, mas que tinham em comum o ódio ao governo personalista, brutal e insensível de Chávez. Lá estavam a federação patronal (a Fedecámaras), bem como a Confederação dos Trabalhadores (CTV). O resultado não podia ser outro: greves, conflitos, mortes. Desaparece assim essa figura esdrúxula, que governava sozinho, mas dizia respeitar as liberdades; que chegou ao poder pela via legal (depois de fracassar por outras vias, como a do golpe sem sucesso de 1992); que prometera pôr fim à corrupção e lutar contra a pobreza. No entanto, o que fez foi substituir um tipo de corrupção por outra, sem se preocupar em acabar com a pobreza extrema do país. Nisso tudo há apenas um vencedor: a pobreza, que não desaparecerá como que por encanto com a queda de Chávez. Trata-se de uma pobreza estrutural, se levarmos em conta que parte dos 80% dos habitantes do país, ou 23 milhões de pessoas, vivem na "pobreza"; e, por outro lado, 20% dos proprietários detêm 60% das terras do país - que, de resto, vive em completo abandono.

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