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''Chávez pode adotar medidas extremas''

Daniel Wilkinson: subdiretor para as Américas da Human Rights Watch; para Wilkinson, governo não está se importando se será criticado por autoritarismo ou censura da mídia e do Judiciário

Por Ruth Costas
Atualização:

Hugo Chávez representou uma grande esperança para os venezuelanos quando chegou ao poder, em 1998. Ele introduziu o discurso da "inclusão dos mais pobres" e da " ampliação da participação democrática" num sistema político desacreditado. Mas o que começou bem, terminou num excesso de concentração de poder e ameaças à imprensa, a grupos civis e ao Judiciário. A história dessa desilusão foi contada, em entrevista ao Estado, por Daniel Wilkinson, subdiretor para as Américas da ONG Human Rights Watch (HRW). Coautor de um relatório com um balanço de uma década do governo Chávez, Wilkinson foi expulso da Venezuela depois da divulgação do documento, em setembro. Qual será o legado do governo de Hugo Chávez? Quando Chávez chegou ao poder, o sistema político venezuelano estava desacreditado. Ele prometeu mais inclusão e fez uma reforma constitucional que de fato representou um avanço. A Carta aprovada em 1999 não é perfeita, mas é sólida principalmente no que diz respeito aos direitos humanos. Ela estabelece mecanismos de fiscalização e prestação de contas nas instituições, amplia a participação da sociedade no processo político e incorpora leis internacionais de direitos humanos. Infelizmente, nesses dez anos a oportunidade histórica criada com essa reforma foi perdida. O presidente Chávez usou a tentativa de golpe de 2002 - sem dúvida, uma ação condenável da oposição - para justificar políticas que minaram as instituições democráticas e as garantias estabelecidas em sua Carta bolivariana. Quais foram as iniciativas mais preocupantes desse contra-ataque? Entre as mais graves está a ameaça à independência do Judiciário. Em 2004 Chávez aumentou o número de juízes da Suprema Corte de 20 para 32, podendo apontar 12 membros. Em seguida, foram criados mecanismos para que a Assembleia Nacional, alinhada com o presidente, pudesse remover juízes. Entre as instituições não-estatais que estão sob ameaça estão a imprensa, os sindicatos e as organizações civis. Como a oposição evoluiu nestes anos? O golpe de 2002, além de um ato não-democrático, foi um grande erro político. Mas os setores da oposição estão cada vez mais comprometidos com processos eleitorais. Isso ficou evidente no referendo (constitucional, de dezembro) e nas últimas eleições (regionais, de novembro). Como o sr. vê essa nova tentativa de aprovar reeleições ilimitadas? Limitar os mandatos presidenciais é uma forma de impedir a concentração excessiva de poder nas mãos do chefe do Executivo, que poderia usar os recursos do Estado em suas campanhas para se reeleger várias vezes. Dá para ter uma ideia de como essa trajetória pode ser problemática quando já há políticas neutralizando os controles sobre o poder do presidente. O governo Chávez já foi visto por muitos movimentos sociais e pelas esquerdas latino-americanas como um "modelo" na guerra contra a pobreza. Isso mudou? As preocupações que nós levantamos em relação à intolerância política e às ameaças às instituições na Venezuela hoje são compartilhadas por muitos outros grupos na América Latina, até mesmo setores ligados à esquerda política. Com base em sua própria experiência (luta contra a ditadura), eles sabem o que pode acontecer quando há governos que violam direitos básicos. Há hoje na América Latina um consenso sobre a necessidade de fortalecer as instituições democráticas. A ideia de que um governo possa ser isento dessa responsabilidade porque promove uma agenda política não é saudável. Chávez ainda quer se apresentar como um modelo, mas a Venezuela não tem capacidade para isso. O sr. foi expulso da Venezuela em setembro, após a divulgação do relatório sobre os dez anos de governo Chávez... Essa ação infeliz só confirmou os problemas de intolerância política que nosso relatório denunciou. Foi um ato de censura, com uma mensagem clara: o governo está disposto a tomar medidas extremas, não se importando se será criticado. Isso é o tipo de coisa que você poderia esperar de uma ditadura. A Venezuela não é uma ditadura. É uma democracia. Chávez foi eleito em eleições limpas. Mas essa tendência autoritária não diz nada de bom sobre o presente e o futuro das instituições e da democracia venezuelana. Quem é: Daniel Wilkinson É coautor do estudo sobre os dez anos do governo Chávez feito pela Human Rights Watch Foi aluno da Escola de Direito de Yale, nos EUA

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