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Chifres de rinoceronte para o ‘Rocket Man’ da Coreia

Diplomatas norte-coreanos se aproveitam do comércio ilegal para ajudar a financiar o regime

Por The Economist
Atualização:

A foto que estampa o passaporte de Kim Jong-su mostra um homem bastante abatido, de terno e gravata. Kim, na realidade, é mestre de taekwondo. Também se supõe que seja espião da Coreia do Norte. Em 2015, ele foi detido em Maputo, capital de Moçambique, juntamente com um diplomata lotado na embaixada norte-coreana na África do Sul, depois que o veículo em que os dois se encontravam foi parado pela polícia. 

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Em seu interior, foram encontrados quase US$ 100 mil em dinheiro vivo e 4,5 quilos de chifres de rinoceronte. A dupla foi liberada após a intervenção de um diplomata norte-coreano na Cidade do Cabo. Em 2016, Kim deixou às escondidas a África do Sul.

Esta e outras histórias são narradas no novo relatório publicado pela Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, entidade lobista com sede em Genebra. Seu autor, Julian Rademeyer, aponta a participação de norte-coreanos em 18 dos 29 casos de contrabando de chifres de rinoceronte e marfim, que vieram à tona de 1986 para cá, envolvendo diplomatas. 

Até que ponto esse comércio ilegal tem como objetivo o ganho pessoal ou serve para saciar o apetite por moeda forte do regime norte-coreano é impossível dizer. As duas motivações se sobrepõem.

Os salários dos diplomatas da Coreia do Norte são miseráveis. Em meados dos anos 90, funcionários da embaixada norte-coreana na Zâmbia foram pescar num rio próximo para ter o que servir numa cerimônia que celebrava a data de fundação do país. Ao mesmo tempo, há dois departamentos em Pyongyang – as repartições 38 e 39 – cuja missão é acumular moeda forte. 

O regime espera que seus diplomatas e outros norte-coreanos que vivem no exterior contribuam com a maior parte do que ganham, lícita ou ilicitamente. É o “dinheiro da lealdade”. Estima-se que a renda anual proveniente de transações ilegais com uma série de commodities, de armamentos a cédulas de US$ 100 falsas, alcance a cifra de US$ 1 bilhão.

O relatório elaborado por Rademeyer cita um dissidente que foi funcionário da repartição 38 e passou um período na China. Entre suas atribuições estava a de organizar encontros entre representantes do crime organizado local e diplomatas norte-coreanos na África. Os norte-coreanos traziam ouro, marfim e chifres de rinoceronte para vender. Um representante comercial no Zimbábue faturou tanto que, “em 2013 e 2014, suas contribuições para o regime chegaram a US$ 200 mil”, afirma o dissidente.

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Descolonização

Após a descolonização, muitos líderes africanos viram em Kim Il-sung, déspota fundador da Coreia do Norte e avô do atual líder do país, Kim Jong-un (também conhecido, desde o discurso de Donald Trump na ONU esta semana, como “Rocket Man” – homem-foguete), um aliado natural.

Ainda hoje, em pelo menos sete países africanos, há grupos que se dedicam ao estudo da doutrina juche, ideologia oficial da Coreia do Norte. O país asiático tem embaixadas em dez nações subsaarianas. Na esperança de arrebanhar votos na ONU e, possivelmente, comprar urânio para seu programa nuclear, o regime norte-coreano financiou a construção de usinas de energia e o treinamento de forças especiais na África. Também ofereceu empréstimos sem juros e vendeu armas para governos do continente.

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Especialista no comércio de marfim e chifres de rinoceronte, Rademeyer admite que a imunidade diplomática limita a ação da polícia. Mas, diz ele, “poucos países africanos com laços antigos com Pyongyang demonstram disposição para agir preventivamente e com firmeza. Alguns costumam fazer vistas grossas para as atividades de diplomatas e embaixadas em seu território”.

O relatório adverte que as coisas podem piorar, caso os EUA convençam a China a adotar sanções econômicas mais severas contra a Coreia do Norte. Com o esgotamento de suas fontes de recursos legais, o regime de Kim dependerá cada vez mais do dinheiro proveniente de transações escusas. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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