China militariza Xinjiang e ameaça executar responsáveis por violência

Hu cancela participação na cúpula do G-8, na Itália, e volta a Pequim; crise já deixou 156 mortos e 1.103 feridos

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Por Cláudia Trevisan
Atualização:

No terceiro dia de violência na Província de Xinjiang, Pequim enviou milhares de novos soldados à cidade de Urumqi, centro dos distúrbios. Um funcionário do governo local ameaçou punir com a pena de morte os responsáveis pelas 156 mortes já registradas. Ontem, a mais importante associação de uigures no exílio afirmou que o total de vítimas, na verdade, chega a 800. Li Zhi, do Partido Comunista de Xinjiang, garantiu que "aqueles que cometeram atos cruéis serão executados". Segundo ele, muitas pessoas foram presas sob suspeita de incitar a violência, entre elas vários estudantes. O funcionário, porém, não revelou números oficiais sobre os detidos. Pressionado pela crise, o presidente Hu Jintao cancelou sua participação na reunião do G-8, na Itália, e retornou às pressas à China. A morte de uigures em uma briga com chineses hans na província sulista de Guangdong (Cantão) transformou-se no símbolo do ressentimento dos muçulmanos de Xinjiang contra a indiferença e a discriminação com que acreditam ser tratados. Vários uigures entrevistados ontem pelo Estado reclamavam do fato de a rixa em Guangdong não ter sido noticiada com destaque pela imprensa chinesa, controlada pelo governo. Também diziam que não houve empenho de Pequim para punir os responsáveis pelas mortes. Oficialmente, dois uigures morreram em Guangdong, mas rumores que circulam em Urumqi estimam a cifra de mortos entre 10 e 300. A briga, no dia 26, foi o estopim dos protestos de domingo em Urumqi, quando muitos uigures manifestaram de forma violenta seu ressentimento contra os hans. Além das 156 mortes, o confronto deixou 1.103 feridos. Até ontem, o governo não havia revelado quantas vítimas são hans e quantas são uigures - e declarou apenas ter identificado cerca de 60% dos mortos. Assim que entrou na área muçulmana da cidade, a reportagem do Estado foi cercada por cerca 20 uigures ansiosos por darem sua versão dos fatos. Da conversa, ficou claro que a insatisfação vai muito além da suposta indiferença em relação ao crime de Guangdong. Os entrevistados reclamavam de restrições religiosas, como a proibição de meninas e mulheres usarem véu nas escolas e no trabalho. Também há restrições às orações. Historicamente majoritários na região, os uigures ressentem-se ainda do fato de a cúpula do governo de Xinjiang ser formada exclusivamente por chineses hans, ainda que haja participação de uigures na administração. Os uigures contestaram ainda as notícias que aparecem nas TVs chinesas. "Eles só mostram as mortes dos hans, mas ontem os hans atacaram vários uigures, com a conivência da polícia, e isso não foi mostrado", acusou Ruxian Guli, uma mulher que estava entre os mais exaltados do grupo. Na terça-feira, centenas de chineses hans saíram às ruas armados com pedaços de pau, barras de ferro e até machados e dirigiram-se ao bairro muçulmano. O Estado acompanhou os manifestantes e observou a passagem deles por vários soldados, que não tentaram impedi-los. O grupo só foi barrado quando estava prestes a entrar na região. Outro uigur que estava fora do bairro muçulmano disse que as atividades religiosas são "terrivelmente" controladas nas universidades e garantiu que os hans têm melhores oportunidades de emprego. Estudante da Universidade de Agricultura, ele se identificou apenas como "Iman". "Os hans ignoram os uigures. Até agora, o governo não deu uma explicação para o que aconteceu em Guangdong", declarou. O grau de tensão entre os grupos ficou evidente quando a entrevista foi interrompida por um han. "Vocês sabem falar mandarim. Por que estão falando na língua de vocês? Vocês têm de conversar em mandarim, para nós sabermos o que estão falando", disse o han de maneira agressiva. A entrevista teve de continuar alguns metros à frente.

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